A próxima onda de crescimento eólico offshore da Califórnia enfrenta grandes obstáculos de engenharia
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A próxima onda de crescimento eólico offshore da Califórnia enfrenta grandes obstáculos de engenharia

Os EUA leiloaram seus primeiros pontos flutuantes de energia eólica offshore em dezembro. Isso pode possibilitar uma nova e vasta fonte de energia limpa ao longo da Costa Oeste americana.

Em dezembro, dezenas de empresas concorreram pelo direito de alugar os primeiros pontos comerciais de energia eólica na costa da Califórnia em um leilão federal online que, espera-se, dê início à próxima expansão de energia limpa do estado. 

Coletivamente, os vencedores pagaram no total pelo menos dezenas de milhões de dólares pelos direitos exclusivos de apresentar projetos de construção ao Bureau of Ocean Energy Management (BOEM) para turbinas eólicas em cinco locais que se estendem por mais de 149.000 hectares do Oceano Pacífico. Três deles estão agrupados perto de Morro Bay ao longo da costa central da Califórnia, a uns 51 quilômetros a oeste da pitoresca cidade litorânea de Cambria. Os outros dois estão localizados no Condado de Humboldt, ao norte. 

As velocidades médias anuais do vento aos arredores dos locais selecionados de Morro Bay atingem 8 a 10 metros por segundo, superando as de alguns grandes parques eólicos offshore já desenvolvidos no Mar do Norte, na Europa. Essas turbinas imponentes nos locais destinados para a locação poderiam fornecer 4,5 gigawatts de eletricidade limpa para a rede elétrica da Califórnia, o suficiente para abastecer mais de 1,5 milhão de residências. 

O estado tem uma meta ainda mais ambiciosa: construir 25 gigawatts de energia eólica offshore até 2045. Isso é equivalente a quase um terço da capacidade total de geração do estado hoje, ou o suficiente para abastecer 25 milhões de residências. 

Mas esses planos audaciosos enfrentam um desafio geológico intimidador: a plataforma continental possui um declive abrupto e íngreme a apenas alguns quilômetros da costa da Califórnia. Isso torna exageradamente caro erguer turbinas eólicas offshore convencionais, as quais são instaladas no topo de estruturas fixas que se estendem até o leito oceânico. As turbinas construídas perto de Morro Bay e ao largo de Humboldt, onde a profundidade de água chega a 1.300 metros, precisarão ser colocadas em plataformas flutuantes, uma tecnologia arriscada e muito cara. 

Algumas empresas começaram a utilizar essas plataformas, que são ancoradas ao fundo do mar, em áreas como as costas de Portugal e da Escócia. Mas esses locais ainda produzem relativamente pouca energia. Para cumprir seus objetivos ambiciosos, a Califórnia precisará desenvolver rapidamente grandes frotas dessas turbinas eólicas flutuantes. 

A esperança é que o estado, como grande consumidor de eletricidade, proporcione um gigantesco mercado inicial para essa tecnologia, ajudando a ampliá-la, reduzindo os custos e impulsionando a inovação no setor emergente. Isso aumentaria o empenho dos EUA para desenvolver mais energia eólica offshore, um setor de energia limpa no qual o país ainda peca e está atrasado quando comparado com países como China e Reino Unido. Se a indústria flutuante se mostrar viável, ela também dará acesso a grandes quantidades de recursos renováveis em todo o mundo que estavam fora do alcance até então. 

Mas há enormes desafios de engenharia e regulamentação pela frente. Atingir as metas da Califórnia pode exigir a criação ou aprimoramento de portos, a produção de novas embarcações, a simplificação dos processos de licenciamento, a construção de um setor de produção eólica da Costa Oeste americana e a mudança para novos tipos de plataformas que possam ser mais baratas para transportar e instalar. E tudo isso teria que ocorrer em um ritmo incrivelmente rápido. 

David Hochschild, presidente da Comissão de Energia da Califórnia, reconhece as dificuldades iminentes, mas diz que o estado está empenhado em superá-las. 

“Esta é uma tecnologia que está madura e pronta para o uso”, diz ele. “Estamos todos empenhados nisso”. 

Grandes esperanças 

O apelo da usina eólica flutuante é óbvio. Em um ponto, por volta de 60 metros de profundidade, torna-se impraticável para os construtores edificarem o que eles chamam de fundações eólicas fixas. Mas os ventos presentes acima das águas mais profundas, longe da costa, costumam ter as características ideais: fortes e consistentes. 

Ao largo de Morro Bay e de outros locais em potencial na Califórnia, os ventos diminuem sua velocidade ao meio-dia, mas aumentam no início da noite, em sincronia quase perfeita com a demanda dos consumidores — e em um padrão muito oposto ao da eletricidade gerada pelas fazendas solares. 

Essas características ajudarão os operadores de redes de distribuição do estado a extraírem mais eletricidade de fontes livres de emissão de carbono durante a noite, o que terá uma função cada vez mais crucial à medida que o setor de energia da Califórnia abandonar o uso dos combustíveis fósseis, diz Alla Weinstein, diretora executiva da Trident Winds, que é parceira do empreendimento conjunto Castle Wind, que participou do leilão. 

A legislação climática do estado exigirá que, até 2035, 90% da eletricidade venha de tais recursos. Nesse mesmo ano, a Califórnia irá determinar que todos os novos veículos de passageiros vendidos no estado devem ser de emissão zero de carbono, aumentando tais demandas na rede elétrica. 

Hochschild diz que a Califórnia também espera que a expansão na indústria eólica flutuante estimule o desenvolvimento econômico, incluindo o surgimento de um setor de manufatura estatal perto de portos que poderia fornecer pás de turbinas, torres e outros componentes. O desenvolvimento da energia eólica offshore pode gerar dezenas de bilhões de dólares em investimentos nos próximos 25 anos, diz ele. 

Além de seus lances monetários, as empresas participantes do leilão receberam créditos por comprometerem-se a investir em treinamento da mão de obra, apoiar o desenvolvimento de cadeias domésticas de suprimentos eólicos e envolverem-se com causas de tribos indígenas e outras comunidades carentes, entre outras considerações. Esses créditos recebidos foram considerados para determinar o vencedor. 

Mas a Califórnia aposta muitas fichas em uma indústria que quase não existe hoje.

SEBASTIEN SALOM GOMIS / AFP VIA AP IMAGES

De acordo com um relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) publicado no início de 2022, apenas um punhado de pequenos projetos para demonstração foram desenvolvidos até agora, totalizando cerca de 125 megawatts. O maior parque eólico flutuante do mundo até agora é o projeto Kincardine, de quase 50 megawatts, na costa da Escócia. Há também pequenos projetos em operação na China, Japão, França, Noruega e Portugal, observa o relatório. 

Existem grandes planos para construir outros ao redor do mundo. A capacidade total dos projetos em andamento, incluindo grandes instalações na Austrália, Brasil, Coreia do Sul e Reino Unido, dobrou em 2021 para mais de 60 gigawatts. 

O governo Biden estabeleceu uma meta nos EUA de alcançar a produção de 15 gigawatts de energia eólica flutuante até 2035 e determinou um programa destinado a reduzir o custo dessa tecnologia em 70% durante esse período. (Também pretende construir 30 gigawatts de todos os tipos de energia eólica offshore até 2030.) 

Altos custos 

Contudo, a energia eólica flutuante continua extremamente cara até o momento. 

Devido à pequena quantidade de projetos em diferentes regiões é difícil precisar atualmente o valor, mas o custo nivelado é de aproximadamente US$ 200 por megawatt-hora, de acordo com o relatório do DOE. (Custos nivelados de energia são a média calculada ao longo da vida útil de um projeto, levando em consideração os custos de construção e operação.) 

Projetos eólicos offshore convencionais, eólicos terrestres e fazendas solares de grande escala custam cerca de US$ 80, US$ 30 e US$ 35 por megawatt-hora, respectivamente, de acordo com o Laboratório Nacional de Energia Renovável dos EUA. Essa grande diferença em relação ao valor claramente desencorajará os operadores de rede de assinar contratos de compra de energia a longo prazo, a menos que estes sejam incentivados ou exigidos por políticas ou entidades reguladoras. 

A legislação climática da Califórnia poderia fazer exatamente isso, pressionando os operadores de rede a obter cada vez mais eletricidade de fontes livres de emissão de carbono durante mais horas do dia, mesmo que isso inicialmente seja mais caro. 

Além dos altos custos, qualquer empreendimento eólico flutuante nos EUA também terá que enfrentar algumas onerosas regulamentações. De acordo com uma lei que existe há mais de cem anos, qualquer navio que transporta mercadorias ou pessoas de um local dos EUA para outro deve ser construído, pertencente e tripulado principalmente por cidadãos americanos. Análises anteriores e precedentes sugerem que instalações eólicas flutuantes estarão sujeitas a essas restrições, diz Carl Valenstein, um advogado especializado em setor marítimo da Morgan, Lewis & Bockius. 

O problema é que há um número limitado de navios compatíveis que conseguem rebocar e posicionar as turbinas flutuantes montadas. Embarcações estrangeiras poderiam executar parte do trabalho nos locais, e é possível que alguns navios dos EUA possam ser adaptados para realizar algumas das tarefas. Mas está claro que o setor americano de construção naval precisará agir rapidamente para que os EUA tenham alguma esperança de atingir as metas eólicas offshore fixas e flutuantes.  

“Em algum momento de 2023, as pessoas terão que se perguntar: como vamos conseguir que os navios implementem esses projetos nos prazos atuais?”, diz Valenstein. “Se muitos desses projetos seguirem em frente, esses obstáculos e restrições terão um impacto significativo — e não dá para construir esses navios da noite para o dia”. 

A Califórnia enfrenta ainda mais desafios. Muitos dos portos do estado são muito rasos e suas pontes muito baixas para acomodar as gigantescas turbinas, torres e plataformas, que são muito mais fáceis de montar antes de serem transportadas para o local offshore. 

Além disso, poderia custar dezenas de bilhões de dólares para desenvolver a capacidade de transporte de eletricidade necessária para conectar todas as turbinas eólicas offshore planejadas à rede. O Operador Independente de Sistema da Califórnia, que administra a principal rede de eletricidade do estado, constatou que acomodar apenas quatro gigawatts de eletricidade de locais próximos ao Condado de Humboldt poderia custar entre US$ 5 e US$ 8 bilhões. 

E como se não bastasse, há também a questão do licenciamento. 

Ganhar o leilão federal é apenas o começo. Cada desenvolvedor vencedor ainda precisará passar por longos processos de avaliação e aprovação ambiental com diversas agências federais, estaduais e municipais, tendo que garantir nada menos que 30 autorizações. Weinstein diz que esse processo pode levar de cinco a sete anos. 

E os californianos têm uma reputação bem conhecida por obstruir e paralisar grandes empreendimentos. Projetos costeiros são assuntos delicados para eles, quer possam vê-los ou não. 

De vento em popa 

Apesar dos desafios, os fãs da indústria eólica flutuante continuam otimistas. 

Walt Musial, o qual lidera os trabalhos de pesquisa em energia eólica offshore no Laboratório Nacional de Energia Renovável dos EUA, prevê que os custos reduzirão à medida que a indústria for além da escala piloto de produção e os empreendedores ganharem experiência ao construírem mais e maiores instalações eólicas flutuantes. 

Grupos de pesquisa estimam que os custos podem cair até 2030 de cerca de US$ 200 por megawatt-hora para algo entre US$ 58 e US$ 120. Isso ainda tornaria a energia eólica offshore flutuante mais cara do que a energia solar e a eólica terrestre, mas representaria um papel importante em um cenário geral de energia. 

A tecnologia em si também está sendo aprimorada. As próprias turbinas continuam a ficar mais altas, gerando mais eletricidade e faturamento, independentemente do local. Alguns grupos de pesquisa e empresas também estão desenvolvendo novos tipos de plataformas flutuantes e mecanismos de entrega que possam facilitar o trabalho dentro das restrições físicas existentes em portos e pontes. 

A empresa dinamarquesa Stiesdal desenvolveu uma plataforma flutuante modular com uma quilha que se prende à estrutura somente quando ela está posicionada em águas profundas, permitindo que seja rebocada de portos relativamente rasos. 

Enquanto isso, a startup Aikido Technologies, de São Francisco (EUA), está desenvolvendo uma maneira de transportar turbinas horizontalmente e, depois, posicioná-las em direção ao fundo do oceano, permitindo que as estruturas passem por baixo de pontes ao longo do caminho. A empresa acredita que seus projetos sejam compactos o suficiente para que os empreendedores acessem qualquer porto dos EUA. Cerca de 80% desses portos têm limites de altura devido a pontes ou restrições aeroportuárias. 

Várias organizações federais, estaduais e municipais estão realizando avaliações de portos da Califórnia e de outros estados dos EUA, verificando quais podem estar em melhores condições para atender a projetos eólicos flutuantes e quais melhorias e aprimoramentos podem ser necessários para tornar isso possível. 

Políticas governamentais nos EUA, União Europeia, China e em outros lugares também estão fornecendo incentivos para o desenvolvimento de turbinas eólicas offshore, fabricação doméstica e infraestrutura de apoio. Isso inclui a Inflation Reduction Act, que Biden sancionou neste último verão. 

Por último, quanto aos desafios de licenciamento da Califórnia, Hochschild observa que a mesma lei de 2021, que exige que a comissão de energia do estado estabeleça metas eólicas offshore, também exige o planejamento de longo prazo para alcançá-las. Isso inclui o mapeamento de uma estratégia para agilizar o processo de aprovação. 

Apesar de toda a promessa da indústria eólica flutuante, não há dúvida de que garantir uma competitividade de custo e atingir as metas previstas exigirá investimentos maciços em infraestrutura, fabricação e muito mais, além da construção de grandes projetos em um ritmo que o estado não demonstrou-se capaz de realizar até agora. 

No entanto, se bem-sucedida, a Califórnia pode se tornar uma peça importante em um novo setor fundamental de energia limpa, aproveitando seus vastos recursos naturais costeiros para atingir suas ambiciosas metas climáticas. 

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