Estava quente e úmido em Washington, DC, no dia 23 de junho de 1993, mas ninguém suava mais do que Daniel Goldin, administrador da NASA. Do lado de fora da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, ele acompanhava com nervosismo os votos sendo registrados no quadro eletrônico de contagem. O projeto da estação espacial estava em risco de ser cancelado. Os Estados Unidos já tinham investido mais de 11 bilhões de dólares nisso, resultando em uma montanha de papeladas, mas nenhum produto físico tangível estava pronto para o uso no espaço. A questão de saber se algum dia haveria uma estação espacial dependia, então, de uma votação no plenário da Câmara.
Politicamente, a estação espacial era um projeto meio perdido e sem rumo definido. Foi uma iniciativa do governo Reagan, que durou cerca de nove anos, expandida por George H.W. Bush, que a tornou peça central de um suposto retorno à Lua e de uma tentativa de chegar a Marte. Quando os eleitores substituíram Bush por Bill Clinton, Goldin convenceu o novo presidente a manter a estação, apresentando-a como uma iniciativa de reconstrução pós-soviética, argumentando que os russos eram especialistas na construção de estações espaciais e que a cooperação com eles economizaria dinheiro em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para a NASA. Dessa forma, o financiamento da agência manteria os cientistas russos empregados e menos propensos a trabalhar para potências estrangeiras rivais. Ainda assim, a insatisfação com a NASA era uma questão generalizada: todos pareciam concordar que ela estava excessivamente burocratizada e estagnada, sem conseguir se adaptar aos desafios. Assim, o deputado Tim Roemer, um democrata de Indiana, propôs uma emenda ao projeto de lei de autorização da NASA para encerrar a estação de uma vez por todas.
Nas 36 horas antes da votação, Goldin fez mais de 100 telefonemas na esperança de persuadir os legisladores a apoiar a estação espacial. Ele a via como crucial para várias áreas de estudo, incluindo biomedicina, eletrônica, engenharia de materiais e do corpo humano em um ambiente completamente estranho: a microgravidade do espaço. As propriedades e comportamentos das coisas, mesmo em nível molecular, comportam-se de formas radicalmente diferentes quando na atmosfera espacial, mas experimentos de uma semana por vez no ônibus espacial eram insuficientes em termos de descobertas e conclusões. Uma pesquisa eficaz exigia uma presença contínua no espaço e, para isso, seria necessária uma estação espacial.
Os defensores dela participaram da votação esperando vencer. Não por muito. Talvez uns 20 votos. Mas quanto mais a votação demorava, menor ficava a diferença. Cada lado começava a aplaudir quando tomava a liderança. No entanto, os 110 novos membros do Congresso, nenhum dos quais tinha participado em votações anteriores sobre o futuro da estação, revelaram-se menos confiáveis do que o esperado.
Finalmente, a contagem chegou a 215-215, restando apenas um voto para desempatar: o do deputado John Lewis, da Geórgia, uma lenda dos direitos civis. Lewis estava caminhando pelo corredor em direção ao plenário quando o assessor legislativo de Goldin, Jeff Lawrence, disse a Goldin para que ele dissesse algo — qualquer coisa! — para conquistar o voto dele naquele momento. Enquanto Lewis passava, Goldin tinha apenas um segundo, talvez dois, e o melhor que conseguiu dizer foi um sincero e direto: “deputado Lewis, o futuro do programa espacial depende de você”. E acrescentou: “a nação conta com você. Como você vai votar?”
Lewis sorriu ao passar. Ele disse: “eu não vou te contar”.
A estação, posteriormente denominada Estação Espacial Internacional (EEI, ou International Space Station, ISS), sobreviveu por um único voto: 216–215. Cinco anos depois, a Rússia lançou o primeiro módulo de estação a partir de uma base aeroespacial no Cazaquistão e, desde novembro de 2000, não se passou um único dia sem que um ser humano estivesse no espaço.
O projeto inicial da NASA para a Estação Espacial Internacional era para que ela permanecesse operacional por um período de 20 anos. Durou seis anos a mais do que isso, embora já mostre sinais de sua idade. Atualmente, a NASA estuda como desmantelar com segurança o laboratório espacial por volta de 2030. Para isso, considera implementar um “veículo de reentrada na atmosfera” que se conectará à EEI, cujo tamanho é comparável ao de um campo de futebol americano (incluindo as zonas de finalização, ou end zones) para, então, modificar sua órbita por meio de propulsores.
Isso visa direcionar a EEI, que circunda a Terra a oito quilômetros por segundo, para uma trajetória que permitirá sua reentrada controlada na atmosfera terrestre. O objetivo é garantir que a estação caia no Oceano Pacífico, longe de áreas habitadas, minimizando os riscos de ferimentos ou danos materiais.
Porém, apesar do fim da EEI e dos destroços dela acabarem se perdendo no fundo do mar, a história da presença dos Estados Unidos na órbita baixa da Terra (LEO, em inglês) ainda continuará. A EEI nunca se tornou realmente o que alguns esperavam: uma plataforma de lançamento para ampliar a presença humana no sistema solar. No entanto, possibilitou pesquisas fundamentais na ciência de materiais e na medicina, e nos ajudou a começar a compreender como o espaço afeta o corpo humano. Para dar continuidade a esse trabalho, a NASA fez parceria com empresas privadas para desenvolver novas estações espaciais comerciais para pesquisa, manufatura e turismo. Se forem bem-sucedidas, essas empresas darão início a uma nova era da exploração espacial: foguetes privados voando para destinos privados. Elas também servirão como prova de um novo modelo no qual a NASA constrói infraestruturas e o setor privado as assume a partir disso, dando a oportunidade para que a agência possa explorar cada vez mais profundamente o espaço, onde tal processo pode ser repetido. Eles já estão planejando fazer isso ao redor da Lua. Um dia, Marte poderá seguir o mesmo exemplo.
Desde o início da era espacial, as estações espaciais foram consideradas essenciais para sairmos da Terra.
Em 1952, Wernher von Braun, um dos principais arquitetos do programa espacial americano, as descrevia como “tão inevitáveis como o nascer do sol” e afirmou que elas seriam parte integrante de qualquer programa de exploração sustentável, reduzindo custos e complexidades. Ele inclusive propôs a construção de uma estação espacial antes do início de um programa para a Lua ou para Marte, para que as expedições tivessem uma estação logística de reabastecimento de combustível e recursos consumíveis.
“Na década de 60, houve bastante consenso e um movimento em torno da ideia de que explorar o espaço envolveria três etapas”, diz o historiador David Hitt, coautor de Homesteading Space: The Skylab Story. O primeiro passo, ele me disse, é o transporte. É preciso sair da Terra de alguma forma, o que significa desenvolver a infraestrutura para a construção de foguetes seguros para o uso humano e seus respectivos lançamentos. O segundo passo é a habitação. Você precisa de um lugar para morar quando estiver no espaço, tanto para servir como um laboratório científico em si mesmo quanto como um ponto logístico entre a Terra e outros objetos celestes. “Depois de ter resolvido a questão de transporte e habitação”, diz ele, “você pode dar o próximo passo, que é a exploração”.
A mentalidade mudou depois que a União Soviética derrotou os Estados Unidos na corrida espacial até à órbita terrestre, primeiro com seu satélite Sputnik I em 1957 e novamente quando o cosmonauta Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem no espaço em 1961. O presidente John F. Kennedy prometeu à nação que um homem pousaria na Lua e retornaria em segurança à Terra “antes do final desta década”. Era um objetivo extraordinariamente ambicioso, visto que a NASA só tinha conseguido lançar um ser humano ao espaço apenas três semanas antes. “Era necessário agir rapidamente, e a maneira de fazer isso era eliminar a segunda etapa do processo”, disse Hitt. “Como pudemos observar, pular a fase de habitação funciona. Os EUA chegaram à Lua, mas fizeram isso de uma forma que não preparou adequadamente o programa espacial para continuar operando e explorando o espaço de maneira sustentável no futuro”.
“Mesmo quando falamos do projeto Mercury, o objetivo sempre foi ir só até a Lua. Skylab é a primeira vez em que o espaço em si se tornou o destino.” — David Hitt, historiador
Ainda estamos buscando novas maneiras de expandir e aprimorar nossas capacidades espaciais. Assim, dois anos após a última missão Apollo, a NASA lançou a primeira estação espacial americana, a Skylab, adaptada a partir de um segundo estágio de um foguete lunar Saturno V. Ela era enorme: tinha 30 metros de comprimento, era consideravelmente maior que qualquer outra espaçonave lançada até então. A NASA acabaria por lançar três missões, com três astronautas cada, para a estação, onde realizariam mais de cem experimentos.
“De muitas maneiras, a Skylab foi a primeira missão espacial americana”, diz Hitt. “Antes dela, estávamos realizando missões lunares. Mesmo quando falamos do projeto Mercury, o objetivo sempre foi ir só até a Lua. A Skylab é a primeira vez em que o espaço em si se tornou o destino”. Seus objetivos foram fundamentais para o que viria mais tarde. “A grande questão que a Skylab nos ensinou é que os seres humanos podem, de fato, viver e trabalhar durante longos períodos em um ambiente espacial. Se levarmos a sério a ideia de ir a Marte, talvez passemos muito mais tempo no espaço do que na superfície marciana”.
A Skylab continua sendo a única estação espacial construída e lançada inteiramente pelos Estados Unidos, desde o seu planejamento até o seu lançamento em órbita. Em 1986, a União Soviética lançou o primeiro módulo da Mir, uma estação espacial modular construída como blocos de Lego, um segmento de cada vez. Como a NASA já não utilizava mais o foguete Saturno V, a agência teve que seguir o mesmo modelo modular para suas futuras estações espaciais, consequentemente fazendo parceria com a Rússia e outros países para construir a EEI. Hoje partilha os céus com Tiangong, a estação
espacial permanente da China, cujo primeiro módulo foi lançado em 2021. No entanto, nenhuma destas estações foram projetadas para servir como estações intermediárias na rota para a Lua ou Marte conforme previsto na visão de von Braun. Para atender a essa necessidade, a NASA está desenvolvendo uma futura estação chamada Gateway, destinada a orbitar a Lua. Seu primeiro módulo poderá ser lançado no próximo ano.
Embora nunca tenham se tornado um ponto focal para atividades de transporte, cada estação espacial contribuiu significativamente para o avanço da compreensão sobre os efeitos prolongados do espaço no corpo humano. (o cosmonauta russo Valeri Polyakov, que voou na Mir, detém o recorde histórico de maior permanência contínua no espaço, com 437 dias). Os pesquisadores ainda têm relativamente pouco conhecimento sobre como o corpo humano reage às condições do espaço. Na Terra, temos a experiência coletiva de mais de 100 bilhões de seres humanos ao longo de 300.000 anos, e, mesmo assim, muito sobre o corpo humano permanece um mistério. Por que bocejamos? O que devemos comer? Dentro dos últimos 63 anos, menos de mil pessoas já estiveram no espaço. Tais estudos só podem ocorrer em estações espaciais permanentes.
“Durante o programa que envolvia o uso dos ônibus espaciais, estávamos estudando os efeitos de um voo espacial de duração mais curta [apenas algumas semanas] no corpo humano”, disse Steven Platts, cientista-chefe do Programa de Pesquisa Humana da NASA. Entre os problemas estava a “intolerância ortostática”, que é a incapacidade do corpo de regular a pressão sanguínea. Afetou cerca de um quarto dos tripulantes que retornaram do espaço. Depois que a NASA e a Rússia colocaram a EEI em órbita e a duração dos voos aumentou de semanas para meses, esse número saltou para 80%. “Passamos muito tempo tentando entender esse mecanismo. E, finalmente, desenvolvemos contramedidas para que esse risco agora seja considerado nulo”, diz ele.
Outros desafios incluem a síndrome neuro-ocular associada a voos espaciais, que é uma alteração na estrutura e funcionamento do olho, algo que os pesquisadores identificaram há cerca de 10 anos. “Realmente não vimos esse problema com o ônibus espacial, mas à medida que começamos a realizar mais e mais missões na estação, essa questão médica surgiu”, diz Platts. Eles também identificaram pequenas mudanças estruturais no cérebro, mas ainda não descobriram o que isso pode significar a longo prazo: “Esse é um risco relativamente novo que não conhecíamos antes da operação na estação espacial”.
De acordo com Platts, no geral, a capacidade do corpo humano de regular seu funcionamento no espaço é “incrível”. Seu grupo está pesquisando sobre 30 riscos para os humanos em explorações espaciais, classificados em um esquema de código de cores. As questões verdes estão bem controladas. Os riscos amarelos são de preocupação moderada e os vermelhos devem ser resolvidos antes que as missões estejam prontas
para serem realizadas. “No momento, para missões na órbita terrestre baixa não há riscos vermelhos. Todos são amarelos e verdes. Nós entendemos bem essas questões e sabemos como lidar com elas. Mas conforme chegamos à Lua, vemos mais amarelo e um pouco de vermelho, e quando chegamos a Marte, vemos ainda mais vermelho”, diz Platts. “Há coisas que sabemos agora que são um problema e estamos nos esforçando bastante para tentar resolvê-las, seja do ponto de vista da pesquisa ou da engenharia”.
Há problemas que só podemos analisar à medida que nos aventuramos mais longe no espaço, como, por exemplo, os efeitos a longo prazo da poeira de Marte no corpo humano. Outros, como o surgimento inesperado de distúrbios psiquiátricos, podem ser estudados mais perto da Terra.
Atualmente, a NASA e outras instituições estão estudando tudo isso na EEI e terão de continuar mesmo após sua desativação. E essa é uma das razões pelas quais é imperativo que alguém lance uma estação espacial sucessora, e em breve. Para alcançar esse objetivo, assim como fez com a SpaceX de 2006 a 2011, a agência financiou várias empresas com pequenos investimentos, prometendo alugar espaço em complexos emergentes. E, no momento, provavelmente o lançamento mais próximo está sendo coordenado de um grande e antigo estabelecimento comercial da Fry’s Electronics, em um complexo de shopping center no Texas (EUA).
Conheci Michael Baine, diretor de tecnologia da Axiom Space, em uma manhã cinzenta e chuvosa de janeiro, na entrada das instalações de desenvolvimento da estação espacial em Houston (EUA). Baine começou sua carreira no Centro Espacial Lyndon B. Johnson da NASA, ali perto, onde participou de projetos variados, desde o transporte de tripulação até o desenvolvimento de tecnologias para a exploração lunar, incluindo módulos lunares experimentais. Mais tarde, ele deixou a agência para ingressar na Intuitive Machines como diretor de engenharia. Em fevereiro, a espaçonave Nova-C, conhecida como Odysseus e pertencente a essa empresa, alcançou um marco histórico ao se tornar a primeira nave dos Estados Unidos a pousar com sucesso na Lua desde o encerramento do programa Apollo, em 1972, tornando-a a pioneira entre as empresas privadas ao realizar um pouso bem-sucedido em um corpo celeste fora da Terra. Baine trabalha na Axiom Space desde 2016. O objetivo de longo prazo da startup é construir a primeira estação espacial comercial privada. A empresa organizou e gerenciou com sucesso três missões privadas para a Estação Espacial Internacional, principalmente para estudar de perto como os humanos trabalham e vivem no espaço, a fim de conceber produtos mais fáceis de utilizar.
A Axiom não é a única empresa interessada em lançar estações espaciais privadas. Em particular, a Blue Origin anunciou uma parceria com a empresa aeroespacial Sierra
Nevada em 2021 para construir o Orbital Reef, um “parque empresarial para múltiplos usos” capaz de abrigar até 10 pessoas na órbita terrestre baixa. Em janeiro, a Sierra Nevada realizou com sucesso um teste para verificar a resistência e a funcionalidade de um protótipo, que tinha um terço do tamanho de seu módulo habitacional original, com o intuito de realizar o lançamento de uma estação em órbita usando um foguete Blue Origin New Glenn em 2027. Outras empresas, como a Lockheed Martin, também estão entrando no mercado, embora o progresso delas seja menos evidente.
A Axiom planeja construir sua própria instalação orbital de maneira muito diferente, disse Baine quando entramos na instalação de Houston. Suspensos na parede acima, grandes reproduções de baixa fidelidade das aeronaves, incluindo o X-38 (um veículo experimental de retorno de emergência para a tripulação da estação espacial) e o módulo russo Zvezda da EEI, que hoje enfrenta problemas devido a fissuras causadas pelo envelhecimento do material e os consequentes vazamentos em sua estrutura. Como resultado, os veículos de tripulação já não se acoplam mais nele.
“É muito difícil construir uma estação espacial completa e autossustentável e lançá-la em uma única operação”, disse Baine enquanto caminhávamos sob as reproduções dos modelos por uma área de trabalho organizada por inúmeros cubículos sem divisórias, promovendo uma melhor integração entre as cerca de 500 pessoas que estão envolvidas no projeto de uma estação espacial para substituir o Zvezda e o resto da EEI. “O que queremos fazer é montá-la no espaço de forma fragmentada. A maneira mais fácil de fazer isso é começar com algo que já existe”.
Esse “algo” é a própria Estação Espacial Internacional. Em 2026, Baine espera lançar o Axiom Hab One, um módulo cilíndrico com alojamento para tripulação, bem como estruturas para a realização de atividades de fabricação, que será conectado a um dos portos disponíveis na EEI. Mais tarde, a Axiom planeja lançar o Hab Two, expandindo os serviços habitacionais, científicos e de manufatura. Em seguida, a empresa espera lançar uma instalação de pesquisa e fabricação, com uma cúpula espaçosa e totalmente envidraçada para dar aos astronautas e visitantes da Axiom uma visão completa do planeta Terra e toda a extensão física da estação. Finalmente, ela pretende lançar um “módulo térmico de energia” com enormes painéis solares, e ampliação das funcionalidades de suporte à vida e potencial de carga útil.
“Queríamos entregar as chaves do ônibus espacial, da estação, enfim, de tudo, ao setor privado.” — Lori Garver, ex-vice-administradora da NASA
Cada novo segmento Axiom é projetado para se conectar ao anterior. Isso não é apenas um desejo — há um prazo rígido em vigor. A menos que a Estação Espacial Internacional tenha sua autorização de operação estendida, tudo deve ser lançado e montado até 2030. Assim que a NASA declarar oficialmente a missão da EEI concluída, a Estação Axiom, semelhante a um Lego, se separará da EEI e se tornará uma estação espacial independente, integrada por vários módulos que se encaixam e funcionam juntos e totalmente autossustentáveis. Em seguida, o veículo de reentrada na atmosfera fará o seu trabalho e empurrará a EEI de volta à Terra, para o oceano.
“É uma grande redução de risco podermos utilizar a estrutura da EEI como ponto de partida para a construção dos componentes, um de cada vez”, explica Baine. Esse plano também oferece uma enorme vantagem comercial. Já existe uma base sólida e global de empresas e pesquisadores que enviam projetos para a EEI. “Para persuadir essas pessoas a migrar para uma solução comercial, é mais fácil se você já estiver no mesmo local onde eles estão”, diz ele. Além disso, tudo, desde as interfaces técnicas até a forma como a Estação Axiom irá lidar com a liberação de gases provenientes de materiais, será compatível com os equipamentos existentes da EEI: “Temos de seguir os mesmos padrões que a NASA segue”.
Muita gente aposta que há fortunas a serem feitas na órbita terrestre baixa e, por isso, o cidadão americano pagador de impostos não paga um centavo pela Estação Axiom. Embora a NASA pretenda, um dia, alugar espaço no Hab One e já tenha concedido dezenas de milhões de dólares para dar início aos estágios iniciais de desenvolvimento do projeto, a estação comercial está sendo construída com centenas de milhões de dólares vindos de capital privado. O crescimento da pesquisa comercial e da manufatura continua e este era o objetivo da NASA desde o mandato de Dan Goldin como administrador.
“Queríamos entregar as chaves do ônibus espacial, da estação, enfim, de tudo, ao setor privado”, diz Lori Garver, ex-vice-administradora da NASA e autora do livro Escaping Gravity. “Dan acreditava que se pudéssemos transferir a infraestrutura de órbita terrestre baixa [ao setor privado], a NASA poderia direcionar seus recursos e esforços para a exploração espacial para além, e eu concordei demais com isso”. Mais tarde, Garver seria a pioneira no modelo comercial de voo espacial, o qual levou a SpaceX e outras empresas a assumirem os serviços de lançamento, poupando à agência dezenas de bilhões de dólares e, ao mesmo tempo, aumentando a frequência de lançamentos. Esse foi o mesmo modelo que possibilitou o projeto da estação espacial da Axiom.
“Depois de lançar o primeiro módulo em 1998, anunciamos que o espaço estava aberto para negócios”, disse Garver. A primeira pessoa a entrar em contato foi Fisk Johnson, da S.C. Johnson & Son. Ele queria trabalhar com a NASA no desenvolvimento de um biorreator que auxiliaria a criação de novos produtos farmacêuticos para doenças hepáticas em um ambiente de microgravidade. “Trabalhei com ele por aproximadamente três anos na NASA”, diz Garver. “Infelizmente, a missão espacial em que o experimento estava programado para ser lançado foi a da nave Columbia e o perdemos na tragédia”.
Nas décadas seguintes, a pesquisa e o desenvolvimento comercial aumentaram, ainda dentro de certas limitações. A NASA, a Rússia e outras nações parceiras não projetaram a EEI especificamente para ser uma instalação de pesquisa e fabricação em grande escala, e uma das razões pelas quais nenhuma empresa optou por simplesmente comprar a estação é que sua reforma seria mais complexa e cara do que qualquer outra opção. Teriam que ou construir uma nova estação, como a Axiom decidiu fazer, ou alugar espaço em uma moderna sucessora.
Quando nos deparamos com um impressionante modelo simulado em escala real do Hab One no final do prédio, perguntei a Baine se começar com as soluções técnicas já concebidas pela NASA, como o funcionamento dos sistemas de controle ambientais, por exemplo, facilitaria o desenvolvimento da Estação Axiom do ponto de vista da engenharia.
“Faria sentido”, respondeu ele, “mas esses padrões são muito exigentes e demandam muita atenção aos detalhes”. O processo extenso de testes e análises realizados para demonstrar sua conformidade com os requisitos essenciais de integração e operação segura e eficaz com a EEI exigem muito esforço, “mas você acaba com uma estrutura ou componente extremamente confiável. As chances de uma falha causar a perda da tripulação são muito, muito remotas”.
Só olhando para o modelo simulado é que percebi a imensidão da espaçonave. Tem 4 metros e meio de largura e quase 11 de comprimento. Uma vez acoplado à EEI, o Hab One, que pesa 30 toneladas na Terra e capacidade para quatro astronautas, será o elemento mais longo da estação.
“É tipo querer colocar uma espaçonave em uma garrafa. Basicamente, precisamos passar todos os sistemas de uma nave por uma escotilha de uns 127 centímetros.” — Michael Baine, diretor de tecnologia da Axiom Space
Aqui no Centro de Desenvolvimento da Estação Espacial, todo o protótipo é feito de madeira usinada em CNC. Apesar de visualmente parecer estar apenas na fase de prototipagem, na realidade, o desenvolvimento do módulo está muito mais avançado do que se esperaria nessa fase inicial. Seu casco de pressão (isto é, seu invólucro primário, que retém o ar e mantém um ambiente de pressão semelhante ao da Terra no vácuo do espaço) e suas escotilhas estão praticamente prontos e, em breve, serão enviados da Itália pela mesma empresa contratada que construiu muitos módulos da EEI. Baine me conduziu por uma instalação dividida onde as aviônicas, a propulsão, os sistemas de suporte à vida, as comunicações e outros subsistemas da Estação Axiom estão em desenvolvimento. Condizente com o antigo edifício da Fry’s Electronics onde estávamos, havia um toque de fabricação caseira nos sistemas, muitos dos quais estavam espalhados sobre mesas: uma elaborada teia de fios, tubos, placas de circuito e chips. A estação funcionará com o sistema operacional Linux.
A Axiom construiu o protótipo para resolver um desafio tão fundamental que chega até ser engraçado e que qualquer projeto como este enfrenta: transformar o casco de pressão e a miríade de subsistemas e componentes em um veículo espacial seguro para humanos. Você não pode simplesmente perfurar buracos no casco de pressão, assim como não pode fazer furos em um balão e esperar que ele mantenha sua forma. A Axiom precisa construir o módulo de dentro para fora e ao redor dele. “É tipo querer colocar uma espaçonave em uma garrafa”, disse Baine. “Basicamente, precisamos passar todos os sistemas de uma nave por uma escotilha de uns 127 centímetros e integrá-los ao módulo espacial”. Ele considera esse um dos problemas mais difíceis do setor, porque não se resume apenas a montar sistemas dentro de um casco de pressão em Houston. Trata-se também de tornar a estação facilmente acessível para a realização de manutenção em órbita, caso surja um problema técnico.
Hoje, as atividades mais conhecidas para voos espaciais privados são o turismo e a pesquisa. Mas a Axiom tem outras funções em mente para a estação, incluindo servir como destino para países que ainda não se envolveram no envio de humanos ao espaço. Pensando nisso, no ano passado, anunciaram o Programa de Acesso ao Espaço da Axiom, que Tejpaul Bhatia, diretor de faturamento da empresa, descreveu como um “programa espacial por demanda” para países de todo o mundo. A Axiom diz que ele está evoluindo e é uma maneira de facilitar e promover a participação desses interessados no campo da exploração espacial. O Azerbaijão foi o primeiro país a aderir.
Mas uma das perspectivas de negócios mais promissoras para o futuro imediato é a manufatura. A órbita terrestre baixa é um ambiente especialmente propício para a fabricação de produtos e materiais de três áreas em particular: farmacêutica, metalurgia e óptica. A microgravidade elimina uma série de fenômenos físicos que podem interferir em etapas sensíveis dos processos de produção, resultando em produtos finais de maior qualidade e consistência. A Axiom e a Blue Origin apostam que as estações espaciais modernas construídas com base nos conhecimentos adquiridos ao longo de décadas de experimentação na EEI (mas agora com tecnologias mais avançadas que as usadas nos anos 80 e 90) trarão muito lucro.
Como parte da iniciativa de incentivo às empresas para o desenvolvimento de suas próprias estações espaciais, a NASA comprometeu-se a alugar espaço àquelas que cumpram seus rigorosos requisitos para voos espaciais tripulados. Tal como acontece com um grande shopping center, uma “loja âncora” pode oferecer estabilidade financeira, credibilidade e atratividade para o empreendimento como um todo. Para ajudar neste processo, um laboratório nacional dos EUA com sede em Melbourne, Flórida, está financiando e apoiando empresas de diversos setores que possam se beneficiar da pesquisa em ambiente de microgravidade.
A área da biomedicina é a que mais se destaca pelos resultados de curto prazo, sendo a LambdaVision um dos melhores exemplos disso. Uma empresa criada em 2009 pelos biólogos moleculares Nicole Wagner e Robert Birge, a história da LambdaVision é uma demonstração convincente do potencial e das oportunidades relacionadas à órbita terrestre baixa, uma vez que ela não foi inicialmente criada para operar no setor espacial. Em vez disso, Wagner e Birge estavam construindo uma empresa tradicional, com sede na Terra, com foco em pesquisas biomédicas, especificamente, uma proteína chamada bacteriorodopsina e sua capacidade de restaurar a função neural. Ela é uma “bomba de prótons”, que faz exatamente o que parece: ela bombeia um próton de um lado para o outro da célula.
Eles se concentraram nos problemas da retinite pigmentosa e da degeneração macular. Em um olho saudável, as células fotorreceptoras (bastonetes e cones) captam a luz e a convertem em um sinal que vai para as células bipolares e ganglionares e, em seguida, para o nervo óptico. Em ambas as doenças, os bastonetes e cones começam a morrer e, uma vez que isso acontece, não há nada para captar a luz e transformá-la em um sinal que possa ser enviado ao cérebro. A retinite pigmentosa, que afeta 1,5 milhões de pessoas em todo o mundo, começa por afetar a visão periférica e se espalha até a área
central, levando a uma visão cada vez mais estreita e focada, conhecida como visão em túnel, até, eventualmente, à cegueira completa. A degeneração macular funciona de maneira oposta, afetando primeiro a visão central e depois espalhando-se para fora. Cerca de 30 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas por ela. Existem tratamentos para ambas as doenças, mas mesmo as melhores soluções só são capazes de retardar a sua progressão. No final, a cegueira vence e, quando isso acontece, não há o que fazer.
Wagner, Birge e sua equipe da LambdaVision tiveram uma ideia para algo que poderia ajudar: um implante simples e flexível, com menos de um centímetro de largura e da espessura de um pedaço de cartolina, que poderia substituir as células sensíveis à luz danificadas pela condição e restaurar a visão por completo. Em princípio, os médicos poderiam implantá-lo na parte posterior do olho, da mesma forma que tratam o descolamento de retina, de modo que nem sequer exigiria um treinamento especializado.
O problema estava em criar esta retina artificial. O implante requer o uso de uma estrutura de suporte, que é essencialmente um material poroso tecido de forma bem justa, semelhante à gaze, que possibilita uma configuração sólida para o implante. Além disso, é necessário fixar um polímero a ele. Em seguida, os pesquisadores começam a aplicar camadas alternadas de proteínas de bacteriorodopsina e polímeros. Com camadas suficientes, a proteína pode absorver luz o bastante para bombear prótons (íons de hidrogênio, especificamente) em direção às células bipolares e ganglionares, que a transportam de lá, restaurando a visão em alta definição.
A fim de se construir a estrutura desejada, os cientistas mergulham o suporte em uma solução líquida em diferentes béqueres, transferindo-a de um para o outro e repetindo o processo. O problema é que estas soluções estão sujeitas a várias imperfeições e instabilidades: as coisas flutuam, afundam, assentam, formam sedimentos, evaporam, há convecção, há variações na tensão superficial — e cada oscilação pode levar a uma camada defeituosa.
Se um implante requer a aplicação de 200 camadas, uma imperfeição na camada 50 pode se tornar significativamente pior à medida que o processo avança. Isso faz dele um procedimento ineficiente e marcado por uma deposição irregular de proteínas. Os
primeiros testes revelaram que este problema afetou de forma negativa o desempenho da retina artificial.
Era o tipo de problema que a LambdaVision esperava resolver como parte do MassChallenge, um programa de incubação de negócios em Boston. Em 2017, Wagner estava trabalhando no espaço coworking da aceleradora. O lugar tinha uma energia “à la Google”, com estações de trabalho sem divisórias e com pessoas inteligentes por toda parte. Wagner estava na mesa em que foi designada quando alguém apareceu dizendo que o Laboratório Nacional da Estação Espacial Internacional estava realizando uma apresentação no final do corredor e que havia pizza grátis.
“Por que não?”, pensou Wagner. Seria muito legal ouvir o pessoal da NASA falar sobre a Lua e Marte. No entanto, ao chegar lá, descobriu que o assunto era outro. Ao invés disso, representantes do CASIS (sigla em inglês para Centro para o Avanço da Ciência no Espaço), uma organização sem fins lucrativos que opera o Laboratório Nacional da EEI, deram uma palestra sobre como estão usando a microgravidade para ajudar as pessoas na Terra.
A parte da Estação Espacial Internacional controlada pelos EUA, assim como Los Alamos, Oak Ridge e Brookhaven, é um laboratório nacional dedicado à pesquisa científica e tecnológica. A diferença é que a EEI tem uma vista mais bonita. Cerca de metade da ciência conduzida lá é gerenciada pelo Laboratório Nacional da EEI na Flórida, sendo o restante supervisionado pela NASA. Esta divisão de recursos permite a condução de uma ampla gama de pesquisas científicas na estação. Enquanto o foco das pesquisas da NASA normalmente se concentra na exploração, tecnologia espacial e na ampliação do conhecimento sobre os fundamentos da natureza para auxiliar futuras missões no espaço profundo, o Laboratório Nacional da EEI visa desenvolver uma economia sustentável que possa ocorrer na órbita terrestre baixa, abrangendo campos como ciência dos materiais, biologia, pesquisa farmacêutica e desenvolvimento tecnológico.
“Nunca imaginei fazer nada no espaço. Não sabia como chegar lá ou como isso funcionaria. Antes daquele momento, tudo parecia ficção científica.” — Nicole Wagner, cofundadora da LambdaVision
Os cientistas da estação estão focando nas áreas de metalurgia e fibra óptica. Ligas como o nitinol (níquel-titânio) podem resistir a grandes variações de temperatura e são superelásticas, com um potencial extraordinário para serem usadas em dispositivos médicos, aeroespaciais e de robótica. São como músculos artificiais. O problema é que o nitinol é extremamente difícil de fabricar na Terra porque os materiais que o compõe se separam e o calor pode ser distribuído de forma desigual durante a fabricação, o que
resulta em um produto pouco confiável. Esses mesmos empecilhos degradam a qualidade das fibras ópticas produzidas na Terra.
A solução para ambos é levar as operações para o espaço: na microgravidade, o calor se distribui de maneira mais uniforme e não ocorre o processo de sedimentação. Nesse ambiente, a cristalização, o processo de formação e crescimento de cristais, é consistente até em longas distâncias com degradação mínima (o que significa sinais de fibra óptica perfeitos e sem interferências, mesmo quando você a estende por um longo trajeto). Além disso, considerando um uso mais amplo, a cristalografia feita no espaço tem aplicações em quase todos os campos da eletrônica e da biomedicina.
Assim como Wagner aprendeu com suas descobertas, os pesquisadores já encontraram avanços positivos em uma ampla gama de áreas durante os experimentos realizados na estação espacial, desde o desenvolvimento de vacinas mais eficazes (a gravidade na Terra prejudica a interação de antígenos e adjuvantes) até formulações de medicamentos de maior qualidade e suspensões de nanopartículas. Um desses remédios, por exemplo, fabricado pela Taiho Pharmaceutical, é usado para tratar a distrofia muscular e chegou à fase final de testes.
“Naquela época, eles falavam sobre coisas como bioimpressão em órbita e futuras missões espaciais que estavam planejando”, disse Wagner. “Na mesma hora me ocorreu que poderíamos realmente fazer isso, sabe, aproveitar a microgravidade para fabricar uma retina artificial. Nunca imaginei fazer nada no espaço. Não sabia como chegar lá ou como isso funcionaria. Antes daquele momento, tudo parecia ficção científica”.
Após a reunião, ela ligou imediatamente para sua equipe. “Há um prêmio que acho que podemos ganhar”, disse ela. Era o Prêmio CASIS-Boeing de Tecnologia no Espaço, que oferece suporte financeiro para projetos de pesquisa que podem ser realizados na estação espacial. “Nós vamos participar”.
Sua equipe ficou cética na hora. Na verdade, ela também tinha suas dúvidas. Ela estava administrando uma pequena startup. Como iriam construir um pequeno laboratório científico automatizado, colocá-lo na Estação Espacial Internacional e comunicar-se com ele da Terra? Ela abriu um navegador da web e digitou “comunicação por Raspberry Pi com estação espacial”. Ela pensou: No que estou me metendo?
“Era parte da minha visão super ingênua do que significava estar no espaço na época”, ela me disse. Sua empresa agora era, e ela descobriu isso rapidamente, um “negócio relacionado ao espaço”: não era diretamente voltada à indústria aeroespacial, mas poderia se beneficiar e até mesmo funcionar melhor ao sair do planeta Terra.
Ela ficou aliviada quando descobriu que a LambdaVision não precisava desenvolver seu próprio centro de controle e infraestrutura espacial. Já havia empresas parceiras especializadas nesses segmentos. Assim, a LambdaVision se associou a Space Tango, uma empresa focada em desenvolver produtos de saúde e tecnologia no espaço, para fabricar os equipamentos necessários. Eles conseguiram reduzir o tamanho do sistema de frascos abertos para um que fosse automatizado e do tamanho de uma caixa de sapatos. E ela estava certa sobre uma coisa: eles ganharam o prêmio.
A equipe realizou sua primeira missão no final de 2018 e apresentou resultados promissores. Nos anos seguintes, a empresa conseguiu um financiamento adicional e fez um total de nove voos para a EEI, o mais recente em 30 de janeiro. Com cada missão, eles melhoraram gradualmente seus equipamentos de fabricação, automação do sistema e captura de imagens, além dos variados processos que ocorrem durante a missão orbital. “Estamos produzindo camadas com revestimento muito mais uniforme na microgravidade e superando outros desafios que encontramos em um ambiente gravitacional”, diz Wagner. “Há muito menos desperdício”.
O sistema de fabricação das camadas de retinas artificiais funciona de forma autônoma, sem necessidade de intervenção de astronautas. Basicamente, a equipe o monta em uma pequena caixa, os astronautas o conectam à energia da EEI e, após a conclusão do processo, um astronauta o desconecta e envia o resultado de volta à Terra.
“No início, queríamos apenas demonstrar que a execução do sistema é viável no espaço”, diz Wagner. “Isso não é mais uma preocupação. Agora, estamos trabalhando para ampliá-lo. Para podermos iniciar nossos primeiros ensaios clínicos, não precisamos de milhões de retinas artificiais. Seriam necessárias centenas, talvez milhares, para começar. E isso nos dá tempo para decidir como vamos aumentar a escala de produção à medida que fazemos a transição da EEI, uma estação espacial pública, para estações espaciais comerciais privadas na órbita terrestre baixa”.
Até agora, a LambdaVision realizou estudos em pequenos animais, como ratos, e avançou para estudos em grandes animais, dessa vez em porcos, inserindo com sucesso os implantes e demonstrando a sua tolerabilidade nos seres testados. A empresa prossegue com o desenvolvimento pré-clínico dos implantes, fazendo experimentos de
eficácia e segurança, para prepará-los para testes clínicos em humanos, que tem previsão de começar no início de 2027.
“Quando penso em fazer isso no espaço e falo sobre custo e eficiência, falo como se alguém estivesse dizendo: ‘Ei, vou fazer isso na China’ ou ‘Vou fazer isso na Califórnia’”, diz Wagner. “Na verdade, uma estação espacial está mais perto. São apenas 400 quilômetros de distância na direção do céu, contra 4.800 quilômetros da nossa sede em Connecticut até a Califórnia”.
Se a LambdaVision for bem-sucedida, isso por si só já praticamente justificaria o voto dado por John Lewis há 31 anos. É difícil pensar em uma conquista mais significativa do que curar a cegueira de milhões de pessoas. Mas ainda mais do que apresentar resultados tão abrangentes e transformadores, uma das realizações mais significativas da EEI poderá ser, acima de tudo, provar que tais resultados podem ser alcançados.
Até agora, nenhum medicamento importante que teve sua concepção na estação espacial foi lançado no mercado. Tampouco surgiram novas tecnologias a partir da atividade ou recursos disponíveis na órbita terrestre baixa. A pesquisa tem passado por ciclos de refinamento e a fabricação no espaço permanece nos estágios iniciais. Mas, de acordo com Ariel Ekblaw, CEO do Aurelia Institute, um centro de pesquisa sem fins lucrativos voltada às atividades essenciais para o desenvolvimento de infraestruturas espaciais, o trabalho preliminar da NASA para a EEI possibilitou uma próxima geração de projetos mais focada em produtos.
“Talvez Dan Goldin estivesse à frente de seu tempo ao pensar que tal avanço seria realizado dentro do período de existência da primeira estação espacial internacional consideravelmente grande da humanidade”, disse Ekblaw, “e o que vemos agora não são apenas pesquisas científicas, mas entidades, como empresas de biotecnologia, aproveitando o que aprendemos com a NASA e o Laboratório Nacional nos últimos 20 anos e considerando a comercialização de produtos ou infraestruturas produzidas em massa no espaço”.
Se de fato a transferência das operações em órbita terrestre baixa da NASA para comerciais for bem-sucedida, seria uma perspectiva promissora do futuro da economia lunar. Na Lua, como na LEO, a NASA está metodicamente construindo infraestrutura e resolvendo os principais desafios relacionados à exploração espacial. A estação Gateway em órbita lunar, uma iniciativa internacional liderada pela NASA, está em um estágio
avançado de desenvolvimento, com o módulo de Habitation and Logistics Outpost (HALO) previsto para ser lançado já no próximo ano. Essa estação servirá como o “segundo passo” de uma estratégia lunar sustentável que surgiu a partir do programa Apollo, 60 anos atrás. A partir daí, a NASA espera estabelecer uma presença na superfície lunar.
Se o modelo de negócios na órbita baixa da Terra for bem-sucedido, a agência poderá, um dia, transferir as operações na base lunar para o setor privado e voltar seu foco para Marte. Pode haver muito dinheiro a ser ganho simplesmente coletando água na Lua, para não falar dos elementos de terras-raras que também podem ser fabricados.
Uma das restrições mais severas ao progresso no espaço tem sido, ironicamente, o espaço para acomodar pessoas e cargas. “Atualmente, e em circunstâncias ideais, apenas 11 pessoas cabem em órbita na EEI e na Tiangong”, diz Ekblaw. A era das estações espaciais privadas será fundamentalmente transformadora, até porque haverá mais espaço físico disponível para alojar pesquisadores e mais oportunidades para eles.
O objetivo da Axiom é duplicar a sua infraestrutura no espaço a cada cinco anos. Isto significa duplicar o número de pessoas em órbita, a capacidade de se transportar cargas e a de produção.
“Dentro de dois a três anos, eu poderia enviar um estudante de pós-graduação ao espaço com a Axiom”, diz Ekblaw. “Isso requer um pouco de criatividade usando métodos de arrecadação de fundos, mas acho que isso está proporcionando novas possibilidades”. No passado, explica ela, um pesquisador de doutorado teria sido considerado extremamente sortudo por ter a oportunidade de enviar sua pesquisa como parte de uma única missão espacial. Hoje, porém, com o advento dos voos espaciais comerciais, mesmo estudantes de mestrado têm a oportunidade de enviar experimentos repetidamente ao espaço. No futuro, em vez de dependerem de astronautas da NASA — que têm inúmeras responsabilidades em órbita e passam uma boa parte do tempo como cobaias em experimentos — os cientistas poderiam ir até lá pessoalmente para conduzir os seus próprios projetos de pesquisa de forma muito mais aprofundada.
“E isso”, diz ela, “é um futuro que está muito, muito próximo”.
David W. Brown é um escritor que mora em Nova Orleans. Seu próximo livro, The Outside Cats, é sobre sua expedição com uma equipe de exploradores polares à Antártica. Será publicado pela Mariner Books.