Nunca se falou tanto sobre a importância da pluralidade nas empresas. Apesar disso, a presença feminina em cargos de liderança ainda avança de forma lenta. Elas ocupam apenas 16,9% das posições de gestão em todo o mundo, segundo pesquisa realizada pela Deloitte, em 2020, com 8 mil empresas de 66 países – um crescimento de 1,9% em relação ao último levantamento, feito em 2017. Com isso, o Brasil fica na 38ª posição no ranking dos países analisados.
O cenário vem mudando com a ampliação do debate sobre pautas sociais importantes, como a equidade de gênero. Muitas organizações já entenderam que a sua capacidade de inovação e a própria sustentabilidade da operação dependem da presença de times mais plurais. Incluir é uma habilidade de liderança do presente e do futuro. E faz bem para os negócios. Mas, precisamos acelerar.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres correspondem a mais de 52,2% da população residente no país. Dados do Global Gender Gap Report 2020 (Relatório Global sobre a Lacuna de Gênero), do Fórum Econômico Mundial, revelam que as brasileiras têm alto nível de escolaridade, representando 59,5% das pessoas com educação superior. No entanto, o Brasil está na 130ª posição em relação à igualdade entre homens e mulheres que exercem funções semelhantes – em um ranking com 153 países.
Estudos já mostram que ter um grupo diverso de funcionários traz muitas vantagens para a empresa, seja em relação aos próprios trabalhadores ou ao mercado. Além disso, ter a presença de mulheres pode resultar em diferentes abordagens sobre um mesmo assunto, trazendo novas perspectivas e ideias. Precisamos de mais gestoras, de mais empreendedoras e de mais iniciativas que incluam as mulheres no mundo dos investimentos – como o Ela Vence, plataforma para o desenvolvimento de lideranças femininas; e o G2 Women, que conecta investidoras a empresas criadas por outras mulheres (sobre as quais falarei um pouco mais à frente).
O mundo corporativo e as mulheres
A pesquisa “Mulheres em Ação”, da B3, uma das principais empresas de infraestrutura de mercado financeiro do mundo, contou com a participação de 408 empresas com ações negociadas no Brasil. Os resultados obtidos mostram as consequências de diversos obstáculos que afastam as mulheres do setor.
A cada 100 organizações, apenas seis têm três ou mais mulheres em cargos de direção, o que significa que 94% das empresas são lideradas predominantemente por homens. E apenas 25% das empresas declaram ter apenas uma mulher nos cargos de diretoria. Esses números revelam certa homogeneidade nas visões de negócio. No entanto, como se sabe, quanto mais pessoas com vivências e visões de mundo diferentes, mais diversas e ricas serão as ações de uma instituição.
Um ambiente empresarial diverso influencia a própria dinâmica interna. O relatório “Diversidade Importa: América Latina”, da McKinsey & Company, mostra que funcionários de organizações que adotam a diversidade relatam níveis mais altos de inovação e colaboração. Eles têm 152% a mais de chance de propor novas ideias e tentar novas formas de trabalho, assim como 64% de colaborar com propostas e melhores práticas.
No entanto, nem todos incorporam essa pluralidade no quadro de colaboradores. Na pesquisa da B3, foi apontado que 61% das empresas não têm uma única mulher entre os diretores estatuários, enquanto 32% têm apenas uma mulher na composição de Conselho de Administração. Alocar mulheres em posições de liderança e alta gestão é uma forma de mostrar a milhares de outras as possibilidades e as oportunidades do mercado. Além da representatividade e da pluralidade de experiências, as empresas ganham também com a qualificação dessas profissionais.
Sob uma ótica mais corporativa, a participação feminina em cargos de liderança se torna mais significativa quando se comprova a lucratividade das companhias com a diversidade de gênero. A pesquisa da McKinsey aponta que organizações com homens e mulheres dividindo a liderança têm 45% mais chance de obter uma boa performance financeira. E o número melhora quando os funcionários reconhecem esse esforço: companhias em que os próprios empregados identificam a diversidade de gênero como uma realidade têm 93% mais chance de superar financeiramente as concorrentes.
Novos e antigos clientes podem interpretar como uma boa prática ter mulheres em posições elevadas – ou, simplesmente, ao observarem a possibilidade de elas também alcançarem os cargos mais importantes dentro das organizações. Ou seja: além de contribuir com a democratização dos ambientes corporativos e de poder contratar as melhores profissionais, as empresas podem obter melhores resultados ao abrirem espaço para mais mulheres em cargos de alta gestão.
O cenário do empreendedorismo no Brasil
Nos últimos anos, criar o próprio negócio – e investir naqueles que precisam de um empurrãozinho – se tornou uma boa alternativa para quem deseja explorar novas áreas de atuação. Só no Brasil, em 2020, o país bateu o recorde de novas empresas abertas e fechou o ano com cerca de 20 milhões de negócios ativos. Em comparação com o ano anterior e apesar da pandemia, esse número representa um aumento de 6%.
No campo de microempreendedores individuais, o crescimento foi de 8,4%, com mais de 2,5 milhões de novos registros. Esses números indicam que cada vez mais pessoas se interessam pelo mercado e querem crescer em diferentes áreas. Segundo o “Empreendedorismo no Brasil”, relatório exclusivo da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), 51,4% dos novos empreendedores foram motivados pela oportunidade de fazer diferença no mundo.
Em termos de lideranças de atividades empreendedoras no Brasil, apenas 21,3% delas são mulheres, enquanto 5,4% foram criadas exclusivamente por mulheres. É verdade que a relação dos dois gêneros com negócios é diferente – homens se envolvem mais em investimentos especulativos, já mulheres preferem ativos menos instáveis –, mas isso não justifica a baixa presença de empreendedoras no mercado. Como disse anteriormente, ter mais diversidade só traz benefícios.
Mulheres no mercado de investimentos
Ter exemplos de grandes líderes é essencial para alavancar negócios e investimentos feitos por representantes do sexo feminino. Quando crescemos nas nossas carreiras, mostramos para as outras mulheres que é possível superar os desafios impostos pela sociedade e que ocupar cargos de liderança não é apenas um sonho, mas uma possibilidade.
Criei o hub Ela Vence em 2020, com o objetivo de oferecer educação empreendedora, desenvolvimento de lideranças, compartilhamento de melhores práticas e de apresentar um círculo de investimentos que possa conectar investidoras a startups lideradas por mulheres. Muitas vezes, o que falta para as pessoas começarem a empreender e buscar diferentes atuações no mercado é justamente a conexão certa. Com o Ela Vence, pretendemos atingir mais de 1,1 milhão de pessoas até 2022.
De acordo com a pesquisa anual “Mulheres Empreendedoras”, do Instituto Rede Mulher Empreendedora (Irme), 45% dos empreendimentos liderados por mulheres são majoritariamente femininos, o que mostra que muitas acabam investindo e se envolvendo com negócios que atendem ao próprio grupo. Cria-se, então, uma rede de apoio e empatia no enfrentamento à desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Entre aquelas que possuem sociedade, sete em cada dez possuem sócias mulheres, o que fortalece as ligações entre investidoras e líderes de negócios.
Quando comecei minha trajetória como investidora-anjo, o número de mulheres atuando na área era praticamente zero. De lá para cá, com as mudanças do mercado e até mesmo da postura das pessoas em relação ao empreendedorismo, o índice já está entre 7% e 12%. Ainda é pouco, mas traz sinais otimistas para quem deseja ver mais diversidade de gênero entre investidores e empresas aptas a receberem investimento.
A pesquisa do Irme ainda mostra que 42% das empreendedoras que solicitaram crédito tiveram seus pedidos negados. É preciso entender que incentivo e apoio são importantes para que os negócios liderados e fundados por mulheres sejam reconhecidos no mercado. Eles podem ser grandes, médios ou pequenos, mas fazem parte de um ecossistema potente que gera muita riqueza.
Assim como no caso de empresas mais diversas, investimentos com participação de mulheres têm maior rendimento do que os que priorizam uma maioria masculina, mesmo que recebam menos apoio financeiro no início. De acordo com pesquisa do Boston Consulting Group (BCG), para cada dólar de financiamento, as startups fundadas por mulheres geram 78 centavos, enquanto aquelas fundadas por homens geram 31 centavos. Ou seja: as mulheres rendem mais que o dobro!
O mesmo relatório mostra que, apesar da disparidade de investimentos, startups fundadas e cofundadas por mulheres têm um desempenho melhor ao longo do tempo. Em um período de cinco anos, os empreendimentos geram 10% a mais na receita acumulada se comparados às empresas com fundadores e cofundadores homens.
Ainda há muito o que mudar
Como empreendedora e educadora, procuro transmitir conhecimento, metodologias e energia de realização para que outras pessoas consigam construir e aperfeiçoar negócios de forma sustentável.
Para ajudar quem tem vontade de entrar no mundo do empreendedorismo, mas não sabe por onde começar, fundei a G2 Women, uma butique de investimentos para mulheres que desejam se envolver com startups lideradas por outras mulheres em estágio seed. O ambiente corporativo está mudando, mas ainda há muito o que trabalhar em relação à atuação e à inclusão de mulheres.
Já é possível perceber um crescimento das mulheres no mercado, mas ainda há um longo caminho pela frente. Posições de liderança em grandes, médias e pequenas empresas também podem e devem ser preenchidas por nós. Diversidade e inclusão são essenciais para alcançarmos equidade de direitos e avançarmos como sociedade. Já sabemos disso. Agora, precisamos avançar nessa direção.
Esse artigo foi produzido por Camila Farani, Shark no Shark Tank Brasil, LinkedIn Top Voice desde 2019 e eleita pela Bloomberg uma das pessoas mais influentes da América Latina.