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Até 2019, a HDI Seguros, uma seguradora alemã de um dos maiores grupos desse setor no mundo, enfrentava alguns desafios na compreensão do comportamento de seus clientes. Isso impactava diretamente na oferta de cotações precisas e competitivas, e no cross sell e up sell de seguros. Foi só a partir de 2020, quando passou a adotar modelos estatísticos inteligentes, automatizados e baseados em machine learning, que conseguiu segmentar clientes, melhorar cotações e aumentar o seu EBITDA em 13%. Além disso, a seguradora acelerou o processo de análise de dados e melhorou a assertividade para análise do risco de roubo e furto em até 20%.
O que está por trás disso é tomada de decisões impulsionadas por dados ou DDDM (sigla em inglês para data-driven decision making). Em palavras mais abrangentes, cultura data-driven, uma gestão baseada em dados que permite a tomada de decisões e a execução de processos de forma sólida, com ações orientadas por informações objetivas e, consequentemente, resultados mais assertivos. Empresas que adotam essa abordagem experimentam um crescimento anual de mais de 30%, de acordo com o relatório Insights-Driven Businesses Set The Pace For Global Growth, da Forrester.
Outro case é do Rock in Rio, o maior festival de música e entretenimento do mundo. Neste caso, o desafio era aprimorar a experiência dos clientes e patrocinadores, além de agregar valor ao evento, necessidade vinda da diminuição do poder aquisitivo do público. Na sua última edição, que reuniu mais de 700 mil visitantes, a empresa criou modelos preditivos de ponta, além de monitorar as redes sociais antes e durante o evento, e realizar o cruzamento de informações entre compradores de ingressos e suas compras no festival. As segmentações permitiram personalizar comunicações, melhorar a experiência dos fãs e otimizar o custo da produção. Mas o maior destaque foi a redução do Custo por Lead da empresa, que coletou mais de 1,2 milhões de dados qualificados.
O que a seguradora e o festival de música têm em comum é a cultura de dados. Esse tipo de estratégia nunca fez tanto sentido no meio corporativo como nos dias de hoje, quando todos os negócios, dos micros até as grandes companhias, precisam lidar com um volume enorme de informações: a digitalização impulsionou a capacidade de armazenamento de dados, contribuindo para esse volume.
Por isso, estar um passo à frente não é mais sobre “apostar”, nem sempre a jogada de risco significa uma boa ideia. Hoje, estar um passo à frente talvez seja, na verdade, dar um passo atrás e aprender a analisar os dados que produzimos todos os dias e que, muitas vezes, vão ficando pelo caminho, sem qualquer tipo de tratamento.
Mas implementar uma cultura de dados nas empresas é também um dos maiores desafios do mercado, ainda que um número crescente de organizações esteja se voltando para o Big Data. De acordo com o Global Data and Analytics Survey, da PWC, mais da metade (61%) dos líderes executivos afirmam que a tomada de decisões em suas empresas é apenas parcial ou raramente baseada em dados. Inclusive, 52% deles admitiram que descartaram dados apresentados a eles.
Talvez aqui esteja a raiz desse problema. Como apontou Mirian Priosti, diretora de dados da Elo, em entrevista à MIT Technology Review Brasil, “cultura de dados tem que vir da alta liderança da empresa”. Não se trata de um processo que começa da ponta, mas deve estar presente na identidade do negócio e fazer parte do princípio de qualquer processo. Cultura data-driven é uma ferramenta de gestão.
“Existe um grande anseio das áreas em conseguir tomar decisões baseadas em dados. As pessoas querem isso”, defende Priosti. Mas para que os dados de fato façam parte da identidade do negócio, as decisões do C-Level devem ser baseadas em dados e, então, outros níveis da organização passarão a adotá-los”. Por isso, “criar uma cultura de dados passa também por pessoas (gestão de pessoas).”
O que é ser data-driven?
Christopher S. Penn, autoridade em tecnologia e marketing e autor do best-seller Marketing White Belt: Basics for the Digital Marketer, no seu artigo The evolution of the data-driven company, diz que ser uma empresa orientada por dados significa adotar uma abordagem em que os dados desempenham um papel central em suas operações e tomadas de decisão.
Mas essa abordagem não é intrínseca desde o início; na verdade, ele defende que há uma jornada que as empresas percorrem, geralmente ao longo de anos, para incorporar dados em sua cultura e estratégia. O autor define cinco estágios pelos quais as empresas passam até se tornarem data-driven.
O primeiro é o que Penn chama de “data-resistant”, em que a empresa ainda é resistente a mudanças baseadas em dados e tende a seguir práticas antigas, baseadas em tradição. O segundo, é o “data-curious”, onde se encontram as empresas curiosas em relação a dados. São organizações que já reconhecem o valor potencial do analytics e, por tanto, se concentram na coleta de dados.
No terceiro estágio, “data-aware”, a organização começa a analisar seus dados para entender o que acontece, o que envolve a introdução de ferramentas e sistemas para armazenar, analisar e tratar dados. No entanto, muitas empresas ficam presas neste estágio, pois se contentam com vitórias táticas e podem não ver um ROI (Return on Investment, Retorno Sobre o Investimento) imediato em avançar.
Depois disso, a tendência é que se atinja o quarto estágio “data-savvy”, quando se reconhece que os dados podem ser um ativo estratégico. Aqui, as empresas se concentram não apenas no que aconteceu, mas também no porquê, buscando insights mais profundos, o que requer uma investigação interna rigorosa e uma compreensão mais detalhada dos dados.
A transição para uma empresa data-driven, orientada por dados, começa quando esses insights são compartilhados com as partes interessadas. No estágio final, a empresa utiliza dados, análises e insights para tomar decisões estratégicas e os dados são incorporados em todas as partes da organização. Essas decisões geralmente incluem planos de ação específicos com base nos dados disponíveis.
“A evolução de uma empresa para uma organização orientada por dados começa com esforços empreendedores, mas no final do processo requer adoção em toda a organização. Sem a adesão em todos os níveis, uma organização não pode se tornar verdadeiramente orientada por dados”, destaca Penn.
Dados por dados não constroem cultura
Para Mirian Priosti, um dos principais desafios de introduzir uma cultura de dados em todos os níveis de uma organização está na demonstração de resultados. “A barreira do investimento, por exemplo, era algo há 15 ou 20 anos, quando as tecnologias eram mais caras. Hoje, não existem grandes barreiras como essa. As lideranças querem (implementar dados) e a importância da cultura de dados está disseminada, mas há o desafio de mostrar resultados.”
Logicamente, não é a ausência de resultados a que a especialista se refere. Mas como a teoria de Penn evidencia, organizações no meio do processo de se tornarem data-driven tendem a esperar por resultados imediatos e, muitas vezes, ainda não têm a maturidade para um planejamento adequado.
Portanto, o primeiro passo para implementar essa cultura está no objetivo ou, nas palavras de Priosti, em encontrar a dor a ser resolvida com dados. “Sempre que você começa por uma dor forte e por um problema de negócio que traz retorno rapidamente, consegue implementar uma cultura de dados muito mais rápida, porque ela é muito mais assertiva. “Quando (analytics) começa a resolver o problema, começa a ganhar importância (na organização)”, destaca.
Uma prática importante para promover a cultura de decisões com base em dados é selecionar métricas adequadas, dedicando esforços à sua coleta e monitorando-as regularmente. Como salienta Rafael Albuquerque, fundador e CEO da Zoox Smart Data, empresa brasileira de soluções de Data Science & Analytics, “antes das empresas começarem a pensar no ‘como’, em como estruturar, arquitetar, qual data lake ou nuvem usar, elas têm que se preocupar com qual problema elas querem resolver. Comece pequeno, pense numa dor simples que você vai resolver, com um parâmetro claro do que você vai resolver, para aí sim começar a trazer o ROI dos investimentos em política de dados, de privacidade, de segurança”, recomenda o executivo.
Em 2022, Inteligência de Decisão foi apontada pelo Gartner como uma das principais tendências tecnológicas. Isso combina justamente análises automatizadas, simulações e Inteligência Artificial para aprimorar o processo de tomada de decisão orientada por dados, aumentando a previsibilidade e a precisão. Mas é importante compreender que uma cultura de dados envolve uma visão multidisciplinar que foca não apenas nos dados de forma isolada, mas também em todo o contexto organizacional, nos processos, no design de experiência do cliente etc. “É uma visão complementar entre as disciplinas”, explica Priosti.