A cultura da inovação em saúde exige sinergia entre macroambientes
HealthHealth Innovation por Einstein

A cultura da inovação em saúde exige sinergia entre macroambientes

Soluções que deram certo podem guiar o desenvolvimento do macroambiente de saúde, que deve estar alinhado ao avanço tecnológico e ter subsídios financeiros. Respostas ágeis dependem do cultivo da mentalidade inovadora no longo prazo.

Se inovar não é uma tarefa fácil, quando se olha para a área da saúde, os desafios são ainda maiores. Demandas urgentes e voláteis de acordo com cenários epidemiológicos, baixa tolerância ao erro por envolver vidas humanas, barreiras de financiamento e resistências às mudanças são apenas alguns pontos que surgem nesse contexto. A sinergia entre macroambientes, baseada em um mindset colaborativo, é fundamental para o desenvolvimento de novas soluções.  

Recentemente, a busca por inovações foi acelerada em razão do cenário global de emergência, levando a sequenciamentos genéticos virais e ao desenvolvimento de vacinas em tempo recorde. Mas o que nem todos sabem é que as vacinas com tecnologia baseada em RNA mensageiro não foram criadas em meses, e sim após pesquisas que vinham sendo feitas há 20 anos.  

O caso das vacinas contra a Covid-19 mostra que a implementação de uma mentalidade inovadora em saúde, em longo prazo, é essencial para que uma organização esteja pronta para responder a questões imediatas, seja ela parte do governo ou do mercado. Os exemplos bem-sucedidos, como esse, são retratos a serem observados para entender qual caminho precisa ser seguido para se posicionar à frente. 

Uma organização que se propõe a inovar não segue sozinha, sem a colaboração de outras indústrias, especialmente em cenários econômicos hostis. Nesse sentido, a pandemia também mostrou a importância das atividades colaborativas, dentro e fora do setor da saúde. Empresas aparentemente sem correlação com a área, mas com expertise em iniciativas que poderiam ser favoráveis naquele momento, contribuíram para o enfrentamento da crise.  

O pleno desenvolvimento do macroambiente de saúde depende de avanço tecnológico e de subsídios financeiros. Para que a inovação aconteça de fato, esses fatores precisam estar alinhados, e a sociedade precisa lidar com os desafios da tríade tecnologia, economia e saúde. 

Transformação cultural das organizações 

Durante o evento Einstein’s Breakthrough 2022, realizado em parceria com a MIT Technology Review Brasil no primeiro semestre deste ano, o presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Sidney Klajner, destacou que sempre haverá gargalos quando organizações se propuserem a buscar sistemas de saúde que sejam mais sustentáveis, tragam melhores diagnósticos e tratamentos e, principalmente, melhorem o acesso da população a assistência em saúde de qualidade. 

“O Einstein vem empreendendo há algum tempo na transformação cultural da organização por meio da inovação, com a criação de um ambiente que proporcione aos profissionais de saúde o olhar inovador voltado para o desenvolvimento de soluções para gargalos”, disse Klajner. 

E, nesse caminho, o investimento em melhoria contínua foi fundamental. “Se o Einstein não tivesse empreendido com telemedicina em 2012, talvez não estivesse apto a dar resposta ao enfrentamento da pandemia com a velocidade que conseguiu nos últimos dois anos. O investimento contínuo em inovação também se mostrou essencial no início da pandemia, permitindo a utilização, por exemplo, do sistema de exaustão para transformar apartamentos em pressão negativa, ou o desenvolvimento de respiradores em parceria com outras organizações”, explicou Klajner. 

A busca pela dinâmica necessária 

Os representantes da área da saúde precisaram entender qual seria a dinâmica necessária para inovar sem deixar de entregar o essencial, e a resposta tecnológica para essa demanda estava na nuvem. 

Para o head de Setor Público para a América do Sul da Amazon Web Service (AWS), Paulo Cunha, a maturidade tecnológica varia entre diferentes setores, mas os principais drivers que movem a entrada da cloud computing ou tecnologia de nuvem para dentro do segmento de saúde são a escalabilidade representada pela capacidade de atender um grande número de pessoas em pouco tempo , a segurança e a agilidade.  

Nos últimos dois anos, houve necessidade de investimento em algumas áreas específicas da saúde. A primeira delas, amplamente favorecida no setor privado, foi a telemedicina, com a explosão da demanda aliada a uma arquitetura conveniente, como a plataforma digital do Einstein. Outra área foi a medicina de precisão, levando à redução do tempo necessário para resultados de análise genética de meses para horas. A terceira vertente foi a integração de dados, por meio da Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS), uma plataforma nacional de interoperabilidade. Além de ser o projeto que estruturou o Conecte SUS, trata-se de um programa voltado à transformação digital da saúde no Brasil como um todo, com o objetivo de promover a troca de informações entre pontos da rede de atenção, permitindo a transição e continuidade do cuidado nos setores público e privado. 

No caminho da digitalização percorrido no Brasil, em um primeiro momento, observou-se o transporte de sistemas e datacenters tradicionais para a nuvem e, em seguida, foi iniciada a fase de análise e planejamento, com rápida evolução para o aumento dessas capacidades com maior precisão de execução.  

No setor público, dois vetores são observados como pontos comuns entre organizações que conseguem adotar tecnologias com eficiência. Em primeiro lugar, são instituições e órgãos que pensam à frente, mas que também conseguem manter carreiras que permitem a continuidade e implementação de processos, como ocorre na Receita Federal, no Ministério da Saúde e no Ministério da Economia, por exemplo. O segundo vetor é representado pelas definições de políticas públicas, como a instrução normativa com força regulatória que priorizou a utilização de nuvens para qualquer novo projeto no Poder Executivo. Hoje, os principais ministérios trabalham com nuvens e começam a criar novos projetos para adoção de tecnologias avançadas, como machine learning e Inteligência Artificial. 

“Na saúde, vimos a aceleração da maturidade tecnológica, com grande ênfase para a área analítica, aliada à utilização de dados para fazer previsões, tanto do ponto de vista hospitalar ou de uma unidade clínica quanto do ponto de vista populacional, quando você olha para o que está acontecendo no país”, complementou Paulo Cunha. 

Retorno de investimento e retorno ao paciente 

O financiamento da inovação no setor de saúde tem particularidades, como o fato de ser um mercado mais conservador, com o intuito de preservar a segurança do paciente, havendo, naturalmente, menos espaço para erros e correções. 

Enquanto a saúde pública enfrenta desafios de financiamento e tetos de gastos com pesquisa, os investimentos em healthtechs e biotechs são meios de viabilizar inovações, com destaque crescente para o Venture Capital, um investimento de longo prazo em startups com pouco ou nenhum tempo de mercado. E os investidores buscam cada vez mais resultados que não fiquem limitados à empresa onde o capital é aplicado, mas sim que levem ao desenvolvimento do ecossistema de saúde como um propósito. 

No Brasil, o panorama do mercado de investimentos é promissor, apesar de ainda mostrar grandes diferenças em relação a países desenvolvidos no segmento de biotecnologia. O Einstein é uma das organizações precursoras no desenvolvimento de iniciativas na área de biotech 

Para Sidney Klajner, em primeiro lugar, é preciso distinguir a inovação que traz retorno do investimento financeiro daquela inovação que gera valor ao cuidado e à experiência do paciente. “O Einstein, como organização filantrópica, busca um bom resultado, sem a preocupação com a remuneração de acionistas ou investidores. Buscamos a inovação baseada na solução de problemas. Reservamos, dentro do nosso planejamento, budget adequado para inovar em benefício do paciente e também dos sistemas de saúde suplementar e público”. 

Paulo Cunha avaliou que a computação em nuvem foi potencializada por ser mais viável financeiramente para aqueles que precisavam da tecnologia. “Para você processar o genoma, por exemplo, precisava ter quase uma sala cofre dentro do hospital, com inúmeros supercomputadores, custando milhões de dólares de avanço, sem saber o que iria acontecer. Com a computação em nuvem, você simplesmente usa e depois paga a sua conta em uma fração muito menor do que aquele investimento anterior”, explicou. 

O executivo também avaliou que a computação de alto desempenho continua sendo fundamental pelas inúmeras possibilidades de se olhar para a medicina de precisão, por exemplo, mas também para uma medicina populacional. Em 2019, a AWS lançou um programa com o Conselho Nacional de Pesquisa de fomento de bolsas para uso de cloud computing em que, em vez de fazer a transferência de fundos, transferia serviços de cloud para pesquisadores. “Quase metade dos trabalhos vieram da área de biotecnologia. Ou seja, universidades e centros de pesquisas estavam buscando de forma crescente a direção da computação de alta performance”, concluiu. 

Como ser uma referência 

Muito se questiona sobre o ponto de virada para ser uma instituição inovadora. Para Klajner, alguns fatores precisam estar presentes, como a iniciativa da organização em trazer profissionais adequados e o trabalho em colaboração para a criação da mentalidade inovadora de forma constante e ininterrupta. 

Um ambiente robusto para geração de dados, com plataformas e prontuários eletrônicos capazes de processar informações, é fundamental para trabalhar com pacientes em estado grave em UTI, por exemplo, que geram cerca de 21 mil dados por hora. E, se hoje o destaque é a Transformação Digital, o Einstein foi pioneiro ao adquirir a primeira ressonância magnética do Brasil, em 1986, quando o equipamento representava o auge da tecnologia.  

“A segunda [ressonância magnética] também foi adquirida pelo Einstein, imaginando que isso pudesse ser um atrativo para médicos mais jovens virem atuar no hospital porque a tecnologia estava aqui. O que nós atribuímos como um benefício da transformação cultural é o incentivo do nosso capital humano a se capacitar naquilo que acreditamos que pode trazer soluções tanto aqui quanto no exterior”, relembrou Klajner.  

Para André Miceli, CEO e editor-chefe MIT Technology Review Brasil, o investimento contínuo em inovação no setor de saúde cria um impacto no comportamento dos profissionais que atuam na linha de frente e, consequentemente, no resultado que chega até o paciente. 

“Alguns pontos chamam a atenção. O primeiro é o da colaboração. O segundo, um investimento constante em uso e adoção da tecnologia, das primeiras máquinas, da atração dos jovens médicos. Então, a frequência é uma tônica que, sem dúvida nenhuma, cria uma identidade de comportamento”, destacou Miceli. 

Sinergia no mundo real 

Diante da necessidade de se encontrar soluções complexas e multifatoriais, algumas barreiras ainda precisam ser vencidas. É necessário haver maior integração entre os profissionais de saúde e as tecnologias que podem facilitar sua atuação, mas ainda existe resistência na área assistencial. Uma mudança de mentalidade deve ser iniciada desde a formação. Dentro das graduações da área de saúde, os alunos precisam ser familiarizados com os conceitos relacionados à transformação digital para que possam contribuir nessa evolução. 

Com esse foco, o Einstein começará também a oferecer, a partir do próximo ano, curso de graduação em engenharia biomédica, visando ao desenvolvimento de know how e expertise necessários para algumas soluções, e ao investimento em Big Data e Data Science, ainda com recursos humanos escassos no país. 

“Se a engenharia biomédica pode resolver alguns problemas relacionados a design de órgãos, células tronco, sequenciamento genético, biologia molecular, então estamos investindo na formação desses profissionais”, disse Klajner. 

Para alguns profissionais da saúde, o caminho já começou a ser trilhado e é possível observar a convergência de médicos especialistas com domínio da tecnologia, buscando uma medicina mais precisa e, provavelmente, mais eficiente. Nos últimos anos, mais da metade das healthtechs que surgiram no Brasil foram fundadas por médicos. Por isso, a AWS também tem contratado profissionais com essa formação.  

Os investidores em saúde também já iniciaram suas especializações na área. Não se pode esperar o mesmo tipo de evolução e de formato de outros setores, uma vez que a saúde e as biotecnologias demandam um tempo de maturação e evolução diferentes, com um prazo mais longo e maior risco envolvido.   

A sinergia e a colaboração entre os macroambientes de tecnologia, economia e saúde se mostram essenciais para o desenvolvimento e a ampliação da cultura de inovação. “Não vejo outra alternativa para enfrentar o cenário atual se não for com a atividade de colaboração e, principalmente, com a criatividade de profissionais que frequentam todas as organizações, de qualquer setor”, concluiu o presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

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Este artigo foi produzido por Roberta Arinelli, Medical Director na ORIGIN Health Co. e Editora-executiva da MIT Technology Review Brasil.

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