Na Massachusetts colonial, entre 1692 maio de 1693, mais de 200 pessoas foram acusadas e julgadas pela prática de bruxaria. Destas, 20 foram executadas. Alguns anos mais tarde, a colônia admitiu que os julgamentos foram um erro e indenizou as famílias dos condenados. Desde então, a história dos julgamentos, conhecidos como “As Bruxas de Salém”, tornou-se sinônimo de paranoia e injustiça, e continua a seduzir a imaginação popular mais de 300 anos depois.
Os eventos começaram quando a filha e a sobrinha do reverendo Samuel Parris, da vila de Salém, demonstraram comportamentos inesperados e disseram sentir picadas pelo corpo. Algum tempo depois, uma outra menina passou por episódios semelhantes. A cidade vivia um momento de polarização em função da disputa política entre famílias e todos os acontecimentos acabavam por alimentar essa discussão. Nesse contexto de polarização e incerteza sobre uma questão de saúde, as meninas acusaram três mulheres de afligi-las. As mulheres foram julgadas e uma delas fez uma confissão: “O Diabo veio a mim e me pediu para servi-lo”. Ao depor, ela citou, de forma detalhada, imagens elaboradas de cães pretos, gatos vermelhos, pássaros amarelos e um “homem negro” que queria que ela assinasse seu livro. Com a semente da paranoia plantada, uma torrente de acusações se seguiu nos meses seguintes.
Mais de 300 anos depois, foram mortas o mesmo número de pessoas, dessa vez na Índia, após um julgamento feito em tempo recorde pela população local. Elas foram linchadas após a viralização da acusação, em um aplicativo de mensagens instantâneas, de que eram ladrões e sequestradores de crianças.
A informação é o ponto que une a irracionalidade dessas histórias e seus lamentáveis desfechos. Seja por uma crise histérica, pelos aspectos psicológicos que nos manipulam ou em função da ebulição do caldeirão das mídias e redes sociais, talvez esse seja o momento da nossa história em que estejamos mais distantes de uma visão única do que é verdadeiro.
Verdade e manipulação são conceitos complexos, com ligações estreitas. A natureza usa a informação para manipular. De plantas carnívoras que se disfarçam de pedras para devorar insetos, passando por insetos que fogem de seus predadores fingindo que são flores. De flores que aumentam a sua área de polinização enganando pássaros. E pássaros que enganam peixes para devorá-los enquanto planam sobre as águas sem serem notadas.
Entre a informação, a manipulação, a mentira e os pontos de vista, restam tênues linhas. Nossa edição número 7 é um debate sobre como estamos tratando esses conceitos em nossa sociedade. Em nossa matéria de capa, Natanael Damasceno, traz a história da desinformação. Também falamos sobre como as cidades antigas são construídas por dados. O Hospital Albert Einstein nos ajuda a refletir sobre a existência da inovação sem comunicação. Outros artigos, matérias e ensaios trazem elementos para que você construa a sua versão.
Essa edição traz ainda um bloco especial sobre as Breakthrough Technologies. Aquelas 10 tecnologias que vão mudar nossa maneira de viver nos próximos anos. Seja no julgamento de Salém, nos linchamentos da Índia ou nas manipulações da natureza, há sempre quem acreditou nos dois lados. Aproveite para construir seu ponto de vista, duvidar de tudo, buscar novas fontes e conhecer alternativas. Pois é dever de todos que buscam a verdade, pelo uma vez na vida, duvidar de todas as coisas, como nos ensinou Descartes. E que a nossa edição lhe traga mais perguntas do que respostas.
Così sia.
Divertiti!