5G e Open RAN vão democratizar a saúde do futuro
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5G e Open RAN vão democratizar a saúde do futuro

Alta velocidade, baixa latência e custo reduzido têm potencial de colocar instituições de saúde com recursos financeiros díspares em patamares tecnológicos semelhantes. Redes abertas podem antecipar o acesso em locais remotos.

O padrão tecnológico para serviços móveis 5G, na versão que permite a exploração de sua máxima potencialidade, chegou ao Brasil em 2022 e levará alguns anos para se espalhar por todo o território nacional. Ainda assim, em algumas áreas prioritárias, como a da saúde, pode ser que uma parcela da população seja beneficiada antes do tempo previsto por meio de iniciativas lideradas por instituições de referência.

Para representantes de hospitais pioneiros na testagem da tecnologia no país, a expectativa é de que o 5G promova uma grande transformação, principalmente, em locais afastados dos grandes centros, nos quais a assistência médica é limitada ou quase inexistente. Será um mecanismo capaz de levar a saúde do futuro para aqueles que não têm acesso, colocando serviços assistenciais com níveis de recursos financeiros díspares em um patamar tecnológico semelhante.

Isso significa que, além de proporcionar o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais disruptivas ligadas ao aprendizado de máquina, à Internet das Coisas e à robótica, a internet de quinta geração tem o potencial de trazer oportunidades significativas de democratização da saúde. No Brasil, tanto no sistema público quanto no privado, a utilização da tecnologia ainda é incipiente, mas há resultados animadores.

Se comparado ao 4G, as características de destaque do 5G são as altas taxas de transmissão de dados – que possibilitam maior velocidade – e a baixa latência – refletida na redução do tempo entre o estímulo e a resposta da rede. Outra vantagem é o “fatiamento da rede”, capaz de viabilizar o fornecimento de serviços diferentes e com requisitos distintos por partes de uma mesma infraestrutura física.

Cirurgias remotas, por exemplo, exigem baixa latência, mas não uma largura de banda alta. Dessa maneira, um médico especializado poderá executar um procedimento cirúrgico a quilômetros de distância do paciente e, através da mesma rede, compartilhar seu conhecimento técnico em um vídeo com alta definição ou mesmo em um ambiente virtual complexo – o chamado metaverso. Essa flexibilidade pode garantir economia de recursos sem perda de qualidade.

5G para (quase) todos

A Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), autarquia responsável pela regulação do 5G no país, prevê que o sinal esteja ativo em todas as capitais até meados de 2024, mas o restante do território terá a cobertura ampliada ao longo desta década e nos anos seguintes. Em 2029, espera-se que todos os municípios com mais de 30 mil habitantes tenham acesso à tecnologia.

Os dados referentes à distribuição, com base nos resultados do leilão do 5G, são divulgados no site institucional da agência, em um painel de acompanhamento e controle. O mapa de pontos previstos, porém, ainda deixa áreas sem preenchimento, especialmente na Região Norte.

Um dos desafios é, justamente, chegar às cidades menos populosas do país. Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.770 possuem menos de 20 mil habitantes e concentram 14,8% da população, segundo o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021. Dados coletados no último ano também indicam que há telefone celular móvel em 96,3% dos lares do país e que 90% dos domicílios possuem acesso à internet.

Na própria página do monitoramento, a Anatel explica que as empresas privadas têm liberdade para escolher os locais de oferta de serviço, mas que os leilões de radiofrequência tentam solucionar essa desigualdade.

“O Edital do 5G trouxe obrigações relacionadas a oferta do serviço em todos os distritos urbanos do país, bem como cobertura a todas as rodovias federais e infraestrutura de transporte (backhaul) de fibra óptica a diversas localidades, sem esquecer dos compromissos de levar a tecnologia 5G a todos os municípios”, diz a agência.

Testes com 5G na saúde.

Na avaliação do presidente do Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas de São Paulo (InovaHC) e professor da Faculdade de Medicina da USP, Giovani Cerri, haverá uma incorporação acelerada do 5G pelas redes de telefonia porque há interesse por parte das empresas e demanda para utilização. Mesmo assim, é importante ter alternativas nos locais onde a rede não chegará por meio das grandes organizações.

O InovaHC tem capitaneado projetos no país com o foco no Sistema Único de Saúde (SUS). Um deles é o Open Care 5G, criado pelo núcleo e apoiado por empresas nacionais e multinacionais, para o desenvolvimento de uma rede aberta com o objetivo de antecipar a ampliação da tecnologia para mais pessoas. Essa rede própria passa por testes de latência a partir de exames de ultrassom, pré-laudos de tomografia, radioterapia, radiografias de tórax e ressonância magnética de próstata e de crânio.

A iniciativa é baseada no conceito de Open RAN (Radio Access Network), que significa Rede de Acesso de Rádio Aberto, em português. O movimento, concentrado em duas principais frentes globais – a O-RAN Alliance e o Telecom Infra Project (TIP) –, visa ao fomento de redes de comunicação móveis com estrutura flexível e interoperável para a criação de um ecossistema aberto de provedores.

Na prática, isso permite que soluções de hardware e software com arquiteturas 5G padronizadas sejam oferecidas por qualquer fornecedor. O modelo se opõe à proposta de redes fechadas, com tecnologia proprietária, fazendo frente à hegemonia das fabricantes que dominam o mercado mundial.

“O que estamos testando realmente funciona e isso é muito animador. Caso contrário, novamente, os grandes centros seriam atendidos, e as regiões mais remotas continuariam com problemas de conectividade e de acesso. Essa democratização da conectividade é muito importante e isso, realmente, vai ter muito impacto na saúde”, afirma Giovanni Cerri.

O presidente do InovaHC entende que a conectividade é o principal elemento para alavancar a saúde digital no Brasil, um país caracterizado pela grande extensão territorial, pelo baixo investimento em saúde e pela desigualdade socioeconômica.

“Como equacionar uma saúde de melhor qualidade, aumentar o acesso e reduzir a desigualdade dentro dos orçamentos viáveis que nós temos? Somos um país de renda média, com uma renda per capta baixa, e a maior parte dos recursos está na área privada. Uma das grandes chaves para reduzir a desigualdade é a conectividade”.
A aplicabilidade do 5G na saúde vai desde o aprimoramento da comunicação entre médico e paciente por meio da telemedicina até, em último grau, a realização de cirurgias robóticas a distância.

“Em muitas especialidades, existe uma limitação de profissionais capacitados. O 5G vai possibilitar que até um cirurgião em São Paulo consiga operar um paciente em outro lugar, através da robótica, porque não vai haver atraso no sinal e ele fará isso em real-time. Mas, para chegar a esse ponto, precisamos testar o 5G para entender se o que se pensa na teoria funcionará na prática”, exemplifica o médico.

A internet de quinta geração também proporcionará maior segurança ao paciente devido à velocidade e confiabilidade da rede. “Em uma UTI, os equipamentos vão dando sinais, vão falando sobre os pacientes. Se essas informações chegarem mais rapidamente para o médico que coordena uma UTI, esse paciente vai ter mais segurança, sabendo que os dados são transmitidos em tempo real”, explica Cerri.

Em outro projeto no qual o InovaHC está envolvido, executado no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), o 5G já foi testado no centro cirúrgico para o monitoramento de dados vitais de um paciente. Na experiência, foram avaliadas variáveis como latência, velocidade, estabilidade e segurança.

No setor privado, o HCor começa a testar a rede 5G em parceria com uma empresa nacional de telefonia. Segundo o superintendente de TI do hospital e coordenador do Grupo de Trabalho de Tecnologia e Inovação da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), Alex Vieira, no momento são feitas simulações da rede internalizando o 5G com o objetivo de reduzir o custo de infraestrutura. O próximo passo será a execução de um projeto-piloto de informatização das ambulâncias para aprimorar a conectividade desses pontos remotos de atendimento.

“Mesmo as grandes empresas de saúde ainda estão em momento de teste. Eu vejo que, para isso se popularizar ainda mais, vão alguns anos. O momento, hoje, é de experimentação. Como é uma tecnologia muito nova, ainda não sabemos quais são todos os ganhos que o 5G pode ter”, afirma.

Nesse contexto, o papel das instituições que estão na vanguarda será o de compartilhar os resultados para contribuir com a distribuição da rede no território nacional. “As outras vão a reboque, aproveitando esse conhecimento que será gerado nas grandes instituições, que têm uma verba maior para esse tipo de investimento. De qualquer forma, todo o setor de saúde será beneficiado por esses testes realizados agora”.

Para o especialista, uma das grandes vantagens da internet de quinta geração será a melhora na capilaridade da saúde. Alex Vieira acredita que o caminho até as comunidades afastadas dos grandes centros ainda está distante e será demorado, mas que esses lugares serão os principais favorecidos pela tecnologia.

“O 5G vai beneficiar quem não tem acesso, hoje, à tecnologia de ponta. Vai dar maior possibilidade para que clínicas e hospitais, distantes ou pequenos, que não têm muito dinheiro para fazer investimento, possam conseguir ter uma infraestrutura de conectividade adequada para conseguir gerar, de fato, qualidade nos seus atendimentos de saúde”, avalia Alex Vieira.

Interação público-privada

Em prol dessa expansão do uso do 5G na saúde, a colaboração entre a esfera pública e a privada, bem como a integração entre instituições de segmentos distintos, já se faz presente e será importante para a ampliação do acesso.

“Todos esses modelos que nós construímos se baseiam na colaboração público-privada, e o que nós construímos aqui vai servir para o público e para o privado, mas damos muita importância para o setor público, que atende a população que tem menos acesso. Por isso, certamente, o setor privado também começa a enxergar essa incorporação do 5G como um fator fundamental para a oferta de saúde digital”, afirma o presidente do InovaHC.

Na visão de Alex Vieira, haverá mais barreiras de implementação do 5G no sistema público devido à necessidade de realização de contratações por meio de licitações, mas a relação público-privada poderá acelerar a chegada da inovação de outras maneiras. Um dos exemplos de como isso pode acontecer, na prática, é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

“Os hospitais de referência podem apoiar diretamente a transformação do meio público por meio do 5G. Podemos aproveitar a nossa experiência com esses modelos e testes para fazer essa imersão, também, dentro do setor público”, diz o coordenador do Grupo de Trabalho de Tecnologia e Inovação da Anahp.

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Este artigo foi produzido por Manoela Albuquerque, Repórter e Editora de Saúde na MIT Technology Review Brasil.

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