O advento da tecnologia 5G promete mais uma revolução em nosso modo de vida. A internet de quinta geração, mais veloz e estável, permite a troca instantânea de um volume muito maior de dados, o que viabiliza um avanço gigantesco na área da “Internet das Coisas” (IoT, na sigla em inglês) e da automação, com a conectividade de automóveis, máquinas, eletrodomésticos e muito mais. Do mesmo modo, são esperados avanços consideráveis na área da saúde.
Já se sabe, por exemplo, que essa nova rede possibilitará a realização de exames de imagem com uma qualidade muito maior. Esses resultados ajudarão na tomada de decisão por parte dos médicos, que terão acesso a informações muito mais precisas no momento de traçar um diagnóstico.
O 5G também tem um enorme potencial para democratizar o acesso à saúde. Sabe-se que um dos grandes problemas do sistema público é a falta de profissionais e de determinados equipamentos em regiões mais carentes do país, o que impede a oferta adequada de assistência médica para boa parte da população. O 5G multiplica as possibilidades de atendimento remoto, permitindo ao menos amenizar esse tipo de desigualdade.
A ampliação da capacitação técnica dos profissionais de saúde por meio de plataformas virtuais também será beneficiada pela velocidade da rede. Atividades como cursos e palestras, que necessitam de interação em tempo real com um volume muito grande de dados digitais, poderão ser realizadas com facilidade.
OpenCare 5G
Embora o 5G tenha chegado recentemente ao país e seu uso ainda seja uma realidade distante para a maioria das cidades, a medicina e os pesquisadores brasileiros já se preparam para incorporar essa nova tecnologia.
Um bom exemplo é o trabalho que vem sendo realizado pelo Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas de São Paulo (InovaHC), uma instituição vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que funciona como ponto de encontro entre empreendedores e profissionais de saúde visando à promoção de soluções tecnológicas inovadoras para médicos, pacientes e gestores.
Recentemente, a tecnologia entrou no radar das ações do InovaHC, com resultados promissores. O projeto Open Care 5G, criado pelo núcleo e coordenado por uma multinacional, é fruto de uma parceria do Hospital das Clínicas com um enorme ecossistema de empresas, órgãos públicos e universidades. O objetivo é construir uma rede privada a partir do Open RAN (do inglês Open Radio Access Networks), algo poucas vezes implementado no âmbito da saúde.
Trata-se de uma tecnologia aberta e desagregada que tem a intenção de acelerar a implantação do 5G a custos mais baixos do que o modelo tradicional, aquele utilizado na indústria de telecomunicações. Com isso, pretende-se viabilizar mais iniciativas no âmbito do 5G, estimulando a inovação e antecipando, portanto, a disponibilidade dessas ferramentas ao maior número possível de pessoas, especialmente de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O ecossistema aberto de provedores busca, portanto, democratizar a tecnologia 5G na saúde.
A rede já vem passando por seus primeiros testes. Para medir a sua latência – isto é, o grau de “atraso” da rede, a diferença de tempo entre a transmissão de um dado e a recepção desse dado por outro equipamento – o projeto tem utilizado exames de ultrassom, pré-laudos de tomografia, radioterapia, raios X de tórax e ressonância magnética de próstata e de crânio. Os testes estão sendo realizados no Hospital das Clínicas desde o início de 2022.
5G no centro cirúrgico
Vale destacar, ainda, um projeto que vem sendo desenvolvido no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), também vinculado ao Hospital das Clínicas, em que são testadas as aplicações da tecnologia 5G no centro cirúrgico, com avanços promissores na área de cirurgia robótica. Também se trata de uma colaboração do InovaHC com empresas privadas, responsáveis pelo fornecimento de equipamentos e pela realização da integração de dados.
O projeto também foi iniciado neste ano, com testes de que permitiram o acompanhamento remoto do quadro clínico de um paciente no centro cirúrgico pela equipe médica. A princípio, o sistema tem reunido dados vinculados aos equipamentos do chamado carro de anestesia, isto é, dos aparelhos de monitoramento de sinais vitais durante uma cirurgia. Nesse caso, é possível medir variáveis como latência, velocidade, estabilidade, qualidade e segurança da rede 5G. As informações permanecem dentro da instituição e, para maior segurança e garantia de privacidade, são transmitidas ao banco de dados de forma anônima, isto é, sem fazer menção a qual paciente se referem.
Os primeiros resultados apontam para uma perspectiva de implementação de robôs em procedimentos cirúrgicos e no acompanhamento à distância desses procedimentos. Se há poucos anos isso parecia algo restrito a filmes de ficção científica, hoje, com a chegada do 5G, é uma realidade que deve se tornar rotineira em breve.
Saúde digital
De maneira geral, as iniciativas do InovaHC têm como objetivo acelerar a digitalização da saúde e o crescimento da medicina personalizada. A rede aberta de 5G do Hospital das Clínicas, até por ser a primeira em um hospital público no Brasil, deve servir de base, de impulso, para inúmeras tecnologias inovadoras viabilizadas pela velocidade e estabilidade da internet de quinta geração.
Mas é importante notar que o 5G é parte de uma ampla revolução tecnológica que vem impactando a medicina de muitas maneiras. Temos aqui um fenômeno constante — a melhoria ano a ano da tecnologia digital — acelerado pelas circunstâncias da pandemia, que nos tornaram mais dependentes e mais íntimos dos meios virtuais.
Esse movimento vem contribuindo para uma ampla reformulação na maneira de prestar um serviço de saúde ou de gerir uma instituição da área. O 5G é um dos grandes símbolos dessa mudança, pois é a base para a implementação de várias outras soluções inovadoras, mas poderíamos citar também a disseminação das ferramentas de Inteligência Artificial (IA) no setor de saúde.
Em essência, a IA permite reunir, organizar e analisar um volume gigantesco de dados, o que seria impossível para uma equipe humana. Com isso, ela é capaz de fazer previsões, identificar tendências, apontar problemas que permaneceriam “escondidos” por trás de milhões e milhões de prontuários, dados estatísticos ou resultados de exames. É fácil perceber que há aplicações promissoras para instituições hospitalares e, principalmente, para gestores de saúde pública, que poderão identificar tendências macro em meio a uma população e desenhar políticas a partir disso.
Por outro lado, há um importante debate legal a ser feito em torno do uso de IA na área de saúde. Em linha com o que já foi apontado no relatório “Ética e governança da Inteligência Artificial para a saúde”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), é preciso garantir, por exemplo, que a autonomia de decisão do médico e do paciente seja preservada, bem como a transparência no manejo de quaisquer dados pessoais.
É preciso também evitar vieses indesejados na implementação de soluções de IA, o que só é possível quando se dispõe de um conjunto diverso o suficiente de dados. Dito de outra forma, se alimentamos um sistema de IA com dados de pacientes de um único grupo demográfico, o resultado trará conclusões que não refletem a realidade (e diversidade) da população.
Outro motor dessa revolução tecnológica na área de saúde é a telemedicina ou a saúde digital. É importante insistir que esse conceito vai muito além das consultas remotas, tão populares durante o período agudo da pandemia. A medicina digital engloba a realização de exames de imagem, a transmissão e armazenamento de dados, a possibilidade de ministrar cursos e gerir sistemas de saúde remotamente.
É tempo de atualizar a formação de nossos profissionais de saúde, para que eles estejam preparados para atuar também em ambiente digital. O processo de digitalização da área da saúde é um caminho sem volta. Nossos médicos e enfermeiros precisam ter alguma intimidade, já durante sua formação, com os softwares que precisarão operar no dia a dia e com o arcabouço legal que regula o uso de dados digitais no país, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Como se nota, a revolução tecnológica digital promete transformar a área da medicina nas próximas décadas. Tecnologias como o 5G abrem um caminho incrível para a melhoria da saúde da população e para a oferta de um atendimento cada vez mais eficiente. É preciso garantir, no entanto, que essas soluções estejam à disposição de todos. Daí a importância de se investir em educação e infraestrutura, para que o país esteja preparado a receber essas novas ferramentas e incorporá-las ao seu sistema de saúde. Nesse contexto, iniciativas democráticas como o InovaHC são primordiais para a promoção de novas soluções.