É amplamente reconhecido que a Tecnologia da Informação teve papel fundamental para manter as empresas e organizações funcionando adequadamente durante o período de isolamento social na pandemia. As equipes de tecnologia das organizações tiveram que se desdobrar para viabilizar em um tempo muito curto soluções para que os colaboradores continuassem exercendo suas atividades, mesmo trabalhando de casa em regime de teletrabalho.
E no pós-pandemia, como continuar demonstrando efetivamente o valor da TI para o negócio? Uma pesquisa do Gartner mostra que os CIOs têm falhado nessa tarefa — 63% não têm sucesso em demonstrar o valor da TI e apenas 7% fazem isso de forma consistente —, o que pode fazer com que o avanço obtido na pandemia seja perdido. Outra pesquisa, esta da InfoTech Research Group, mostra que 80% dos CIOs e CEOs se frustram quando a TI falha em agregar valor ao negócio, mesmo sendo essa a meta mais importante para o setor de TI.
A tarefa não é fácil. É necessário que o CIO tenha uma estratégia holística e focada em evidenciar claramente o valor comercial da TI para gerar diferenciais estratégicos para a organização. Mas qual é o segredo do sucesso para demonstrar consistentemente o valor da Tecnologia da Informação para o negócio? É o que será tratado a seguir.
1.Entregar valor e resultados e não projetos de TI, alinhando a TI ao negócio
A TI deve entregar valor e não tecnologia. Deve-se buscar a melhoria nos processos de negócio, nos produtos, diminuindo custos e aumentando a vantagem competitiva da organização. Assim, deve-se entregar resultados para o negócio, e não projetos de tecnologia.
Para entregar valor, é preciso manter o alinhamento das ações e atividades da área de TI com o que o negócio precisa. Ou seja, é preciso manter a TI alinhada ao planejamento estratégico institucional. E, segundo a pesquisa da InfoTech Reseach Group, citada anteriormente, essa não parece ser uma tarefa tão fácil: dois terços dos CIOs estão desalinhados com seus CEOs. Em outras palavras, de cada três ações ou atividades das áreas de TI pesquisadas, duas estão em desacordo com os objetivos de negócio. E a pesquisa traz outras informações relevantes: apenas um em cada quatro líderes de negócios (25%) das organizações em dificuldades confiam que a TI tenha uma compreensão eficaz das metas de negócios. Por outro lado, esse número sobe para 72% em organizações em expansão e em processo de transformação digital. Podemos concluir que organizações em dificuldades acabam colocando a responsabilidade na falta de entendimento de negócio das áreas de TI. E mais: os líderes das áreas de negócio creditam grande parte do fracasso ou do sucesso à atuação da TI.
Ainda nessa linha, é importante que os CIOs e seu time desenvolvam a capacidade de planejar, gerenciar e relatar as entregas em termos de negócio. O foco deve ser o desenvolvimento do objetivo estratégico da organização e não a tecnologia para suportá-lo. Assim, todos da organização serão capazes de entender por que determinada tecnologia está sendo utilizada, permitindo que todos se sintam parte da solução e consigam medir o sucesso ou não daquele objetivo.
O grande desafio aqui é conseguir “vender” uma nova iniciativa digital, demonstrando que esta pode criar valor comercial para a organização, especialmente para o C-level e conselhos. A linguagem deve ser simples, alinhada ao negócio e focada nos objetivos estratégicos institucionais, escancarando qual é a contribuição que essa iniciativa digital trará ao negócio: aumento da receita ou lucro; redução de custo; mitigação de riscos; um novo produto; processos mais racionais; economia de produção; vantagem competitiva.
Um exemplo: como já abordei em artigo recente aqui na MIT Technology Review Brasil, a segurança cibernética é uma das grandes preocupações dos CIOs em todo o mundo. Mas como fazer o CEO e o conselho entenderem que é necessário um investimento considerável para mitigar o risco de se tornar uma vítima de um ataque? O CIO deve focar na visão de negócio e não na qualidade da tecnologia de proteção ou nos termos técnicos inerentes à cibersegurança.
O CIO deve tentar responder algumas das seguintes perguntas na busca da aprovação de sua iniciativa em cibersegurança: como um ataque bem-sucedido afetaria os negócios da organização? Qual o tempo seria necessário para restaurar o ambiente computacional após um incidente de segurança? Qual o impacto na imagem da organização? Como isso poderia afetar as vendas? Quanto se perde de faturamento para cada minuto de indisponibilidade do site ou sistemas da organização? De posse desses dados, o CIO conseguiria justificar o investimento necessário, sem ter que se ater a termos técnicos, clarificando para a alta administração a importância dessa iniciativa para o negócio e não para a TI.
2.Identificar e selecionar métricas de TI que comprovam o sucesso do negócio
Métricas são importantes para se medir o resultado. Contudo, a TI vem utilizando métricas que medem o desempenho da tecnologia e não fazem muito sentido para a alta administração e demais stakeholders das organizações. Consequentemente, essas métricas não contribuem muito para mostrar o valor da TI.
Nesse sentido, ao invés de utilizar indicadores técnicos, seria mais interessante definir e mediar objetivos e resultados que a TI ajuda a organização a alcançar. Os OKRs – Objectives and Key Results – metodologia criada bom base no conceito desenvolvimento por Andy Grove, CEO da Intel na década de 1970, e popularizada por John Doerr, um dos investidores de empresas como Google, Amazon e Twitter, pode ser uma ótima opção.
A metodologia OKR começa pela definição de um objetivo que indique claramente aonde se quer chegar, o resultado esperado — e não o processo ou o caminho para se chegar ao resultado. Importante é que o OKR deve ser definido de forma que se possa medir sua realização. É uma clara definição de meta de negócio, no caso da TI, uma meta apoiada ou baseada em uma ou mais tecnologias. Algumas dicas podem ajudar a criar um bom OKR: (i) o cliente deve estar em primeiro lugar; (ii) O CIO deve ser ambicioso; (iii) o OKR deve estar vinculado aos objetivos de negócio da organização; (iv) Deve-se verificar se há possibilidade de medição, ou não se está diante de um OKR; (v) é uma forma de medir resultado e não tarefas; (vi) cada OKR deve ter um responsável, um tutor.
3.Comunicar e compartilhar como a TI impacta positivamente o negócio
Comunicação geralmente não é o forte em profissionais de TI. Mas comunicar efetivamente como a TI contribui positivamente para os objetivos de negócio é fundamental para criar e consolidar a posição estratégica da tecnologia dentro da organização. Aqueles que financiam a TI devem entender claramente qual é a contribuição da tecnologia para o negócio. Por isso, tecnologia deve ser traduzida em insights e métricas palpáveis e conhecidas dos stakeholders, deixando a linguagem técnica para dentro do setor de TI.
4.Construir uma história de valor com base em resultado e não em esforço
A história de valor deve ser construída considerando que é o cliente quem determina o valor da TI. Nas organizações, os clientes podem ser internos ou externos. Sem uma parceria efetiva com a área de negócio, a TI voltará a ser — ou continuará sendo — uma provedora de tecnologias e plataformas, com visão limitada dos benefícios trazidos para atingimento dos objetivos de negócios. Portanto, é preciso conhecer esses “clientes”, priorizar e validar suas necessidades, de forma a identificar e quantificar corretamente os benefícios que a tecnologia irá agregar ao negócio. E esse é um ciclo que deve ser constantemente repetido, em busca de aperfeiçoamento. Além disso, há outras considerações sobre como construir, mensurar e comunicar o valor da TI para o negócio, trazidas pelo Gartner:
i) o valor é medido por resultados para o negócio e impacto para a missão da organização ou para o cliente: os entregáveis de TI possam ser quantificados pelos stakeholders e percebidos pelos clientes;
ii) para o valor ser percebido e medido, algo deve ser entregue. Entregas de tecnologia não compreendidas ou cuja contribuição da TI não seja efetivamente percebida não resultam em valor transferido;
iii) deve-se utilizar a linguagem de quem deve perceber o valor, e não a linguagem técnica. A comunicação de valor precisa ser compreendida de maneira fácil e rápida pelos stakeholders. As informações devem ser claras e relevantes e mostrar o impacto positivo da TI em algo que é importante para comunicar valor;
iv) redução de custo e aumento do lucro é melhor que aumento de eficiência para criar a percepção de valor. A priorização de projetos e gastos de TI deve ter isso em mente e considerar o valor relativo para a organização;
v) se a alta administração não entender o valor, nunca se tornará defensora da TI e poderá não aprovar os recursos necessários para as iniciativas digitais;
vi) operar ou transformar — as iniciativas de TI devem estar agrupadas nessas duas categorias, de forma que se tenha com precisão o investimento em transformação e crescimento versus o valor da operação.
Não esquecer da inovação
O CIOs de sucesso sabem que hoje a tecnologia é um dos grandes propulsores da inovação nas organizações. E o grau de inovação trazido pela TI certamente irá contribuir para melhorar a percepção de valor por parte dos stakeholders.
Mas isso não quer dizer que a inovação deve ser feita somente dentro dos departamentos de TI ou somente pelo CIO. Para que a inovação seja realmente efetiva, a colaboração é fundamental. Algumas metodologias já adotadas nos departamentos de TI ajudam o CIO a assumir esse papel de liderança na inovação. A utilização de metodologias ágeis – com brainstorm, foco no problema; design thinking, kanban — laboratórios de inovação, DevOps, automação e inovação para acelerar a entrega de novas ideias são alguns exemplos de técnicas de trabalho já adotadas nos departamentos de TI que podem ser catalisadores da inovação. Contudo, a bem da verdade, esses CIOs com perfil inovador representam apenas uma fração dos líderes de TI.
E como já falei nesse artigo na MIT Technology Review Brasil6, há que se tomar o cuidado para não cair na armadilha da inversão da proporção de Edison nos processos de inovação e colocar em risco todo o trabalho feito para melhorar a percepção de valor da TI, lembrando-se sempre que a comunicação, clara e efetiva, é o pilar fundamental do sucesso.
Este artigo foi produzido por Fabio Correa Xavier, Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do TCESP, Mestre em Ciência da Computação, Professor e colunista da MIT Technology Review Brasil.